Jogo do bicho – Wikipédia, a enciclopédia livre

O jogo do bicho é uma bolsa de apostas em números que representam animais. Foi criado em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, em Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.[1][2]

A fase de intensa especulação financeira e jogatina na bolsa de valores nos primeiros anos da república brasileira causou grave crise ao comércio. Para estimular as vendas, os comerciantes instituíram sorteios de brindes. Assim é que, querendo aumentar a frequência popular ao zoológico, o barão decidiu estipular um prêmio em dinheiro ao portador do bilhete de entrada que tivesse a figura do animal do dia, o qual era escolhido entre os 25 animais do zoológico e passava o dia inteiro encoberto com um pano. O pano somente era retirado no final do dia, revelando o animal do dia. Posteriormente, os animais foram associados a séries numéricas da loteria e o jogo passou a ser praticado largamente fora do zoológico, a ponto de transformar a capital da república (de 1889 a 1960) na "capital do jogo do bicho".[3]

Atualmente, o jogo do bicho continua a ser praticado em larga escala nas ruas das principais cidades do Brasil, mesmo sendo uma contravenção pela legislação penal brasileira.

História[editar | editar código-fonte]

A origem do jogo do bicho remonta ao fim do Império e início do período republicano. Jornais da época contam que, para melhorar as finanças do jardim zoológico localizado no bairro da Vila Isabel, que estava em dificuldades financeiras, João Batista Viana Drummond, um senhor de terras e escravos, criou uma loteria em julho de 1892, na qual o jogador escolhia um dos 25 animais do zoológico.[1][4]

Cada bicho era representado por quatro números consecutivos compreendidos entre 00 e 99. Havia 25 bichos numerados de 01 até 25 por ordem alfabética. Os números de 00 a 99 correspondiam aos 25 bichos conforme uma progressão aritmética, calculando o próximo múltiplo de quatro. Por exemplo, o camelo (8) é 29-32, e a vaca (25), 97-00 (hoje, o bicho correspondendo a um número entre 0000 e 9999 é indicado pelos dois dígitos finais.). Ao final do dia, os organizadores do jogo revelavam o nome do bicho vencedor e afixavam o resultado num poste, o que até os dias de hoje continua sendo feito.

O jogo do bicho permitia apostas de "simples moedas a tostões furados" numa época em que a recessão tomava conta do Brasil.

A organização do jogo de bicho preserva uma hierarquia como a de atores, teatro e plateia (banqueiros, gerentes e apostadores). Nessa hierarquia, o "banqueiro" é quem banca a totalidade do jogo e quem paga a banca. O "gerente de banca" ou do ponto é quem repassa as apostas ao banqueiro e o prêmio ao vendedor. O vendedor é agregado ao gerente de banca e é quem escreve e intermedeia o pagamento entre o apostador e o gerente. A banca e o ponto não necessitam de um lugar fixo para operar: seus funcionários são, frequentemente, encontrados nas ruas sentados em cadeiras ou caixas de frutas. Em outras regiões do Brasil, pode-se entrar em contato por telefone e um motoboy vem buscar o jogo em sua casa ou trabalho.

O jogo do bicho tem algumas regras que estipulam limites nas apostas: um exemplo é a "descarga" de alguns números muito apostados, como o número do túmulo de Getúlio Vargas ou número do cavalo no dia de São Jorge. Para alguns organizadores, os números muito jogados são cotados a fim de evitar a "quebra da banca" tanto por parte das bancas de apostas como durante a apuração no sorteio. Pelo fato de ser uma atividade que envolve dinheiro não controlada pelo governo, o jogo tem atraído a atenção das autoridades corruptas e criou-se um complexo e eficiente sistema para a realização da venda de facilidades.

A Paraíba era o único estado da federação onde o jogo do bicho era permitido. As "corridas" (extrações dos números premiados) eram feitas pela loteria do estado da Paraíba e o estado cobrava taxas dos "banqueiros". A atual administração da loteria, por entender ser ilegal a prática do jogo do bicho, após duas décadas, voltou a ter seu bilhete lotérico estadual. Com esse produto lotérico, a Loteria Estadual deu início a uma nova fase comercial, onde ela chama para si a responsabilidade de produzir, distribuir e comercializar seus produtos. A mudança vem atender às legislações federal e estadual em vigor.

Corre uma história de que durante a ditadura militar, o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, numa reunião da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste em Recife, teria cobrado do então governador João Agripino a extinção do jogo na Paraíba. Agripino teria respondido ao então presidente: "acabo com o jogo do bicho na hora em que o senhor arranjar emprego para os milhares de paraibanos que ganham a vida como cambistas".

Relação com o Carnaval[editar | editar código-fonte]

A ligação do jogo do bicho com o carnaval começou por volta dos anos 1930, através de Natal da Portela. Natal, desde cedo, esteve envolvido com o mundo do samba já que, no quintal de sua casa na esquina com a estrada do Portela no subúrbio de Oswaldo Cruz, realizavam-se rodas de samba. Nesse local, foi fundado o bloco carnavalesco "Vai como pode", que se transformaria na Portela.

Após perder um braço por causa de um acidente de trem, Natal perdeu o emprego e foi trabalhar como apontador de bicho na região de Turiaçu. Em pouco tempo, virou gerente de banca e, depois, conseguiu montar a sua própria, vindo a se tornar banqueiro de jogo do bicho, controlando toda a área de Madureira.

Com a morte de seu grande amigo Paulo da Portela, Natal, como forma de homenageá-lo, resolveu investir dinheiro na Portela para que ela pudesse se transformar em uma grande escola de samba, criando aí a figura do bicheiro patrono. Somado a suas práticas clientelistas com a população de Madureira já que, devido a sua infância pobre, Natal sempre procurava ajudar aos pobres através de doação a igrejas, a instituições de caridade, pagamento de enterros etc., sua ligação com o carnaval começou a adquirir prestígio, sendo até mesmo convidado pelo então ministro Negrão de Lima a apresentar a Portela para a Duquesa de Kent no Palácio Itamaraty em 1959.

Como forma de se legitimar perante a sociedade, os demais banqueiros de jogo do bicho passaram a seguir o exemplo de Natal, vinculando-se às escolas de samba de suas respectivas áreas de atuação, o que posteriormente também seria usado, segundo alguns, como forma de lavagem de dinheiro da contravenção.

Jogo do Bicho x Loteria Federal[editar | editar código-fonte]

O jogo do bicho é semelhante a uma loteria federal, mas com algumas diferenças: uma delas é que o jogador pode apostar qualquer valor, que muitas vezes é bem acima de suas possibilidades. Quanto maior o valor apostado em uma sequência numérica (milhar, centena, dezena, etc.), maior será o prêmio em caso de acerto. Com essa flexibilidade de apostas, o jogador é livre para escolher pelo menor valor possível o seu número da sorte nas 10 000 chances disponíveis em cada sorteio. Exemplo: um apostador joga um real em uma milhar no primeiro prêmio (conhecido como cabeça por ser a primeira milhar no topo da lista de resultados). Caso acerte ela inteira (os quatro números), ele ganha 3 000 reais (apostas em São Paulo). Se tivesse jogado cinquenta centavos na mesma aposta e acertado, o apostador ganharia 1 500 reais. Toda banca (organização que faz a administração do jogo do bicho) tem uma tabela de valores que são apresentados aos apostadores, tabela essa que tem muito pouca diferença de banca para banca.

Contravenção[editar | editar código-fonte]

Simples no começo, o sistema de jogo do bicho multiplicou-se pelo território brasileiro. Câmara Cascudo, no seu "Dicionário do folclore brasileiro", distinguia o jogo como sendo "invencível" e que a sua repressão apenas ampliava sua difusão por todo o país. "Vício irresistível", escreveu o folclorista: "(...) contra ele, a repressão policial apenas multiplica a clandestinidade. O jogo do bicho é invencível. Está, como dizem os viciados, na massa do sangue".

Em "Ordem e progresso" (1959) de Gilberto Freyre, descreveu o jogo do bicho como uma das poucas atividades sem discriminação de classes no início da república. O historiador José Murilo de Carvalho demonstrou em "Os bestializados: Rio de Janeiro e a república que não foi" que a sociedade carioca difundia a crença na sorte como uma forma de ganhar a vida sem trabalhar.

Os problemas do Jogo do Bicho com a lei começaram apenas duas semanas após seu lançamento. Assim como hoje, os jogos de azar eram proibidos no Brasil do século XIX, e todo o tipo de sorteio deveria ser previamente aprovado pelas autoridades locais. Apesar de na época ter dado o sinal verde para a operação do Jogo do Bicho, logo a polícia do Rio de Janeiro se arrependeu de sua decisão, tendo considerado que o jogo havia saído do controle, como mostra este informe público do jornal O Tempo, ainda em 1892:

Neste momento começou a história de problemas do Jogo do Bicho com a lei, que foi marcada por idas e vindas, até a sua proibição definitiva, em 1941, quando foi promulgada a lei de proibição dos jogos de azar no Brasil. Apesar de sua popularidade e de ser tolerado por muitas autoridades, o jogo do bicho é uma contravenção no Brasil, de acordo com o artigo 58 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei 3 688, de 3 de outubro de 1941). As pessoas que o exploram são passíveis de prisão e multa e os apostadores são passíveis de multa.[5]

Legalização[editar | editar código-fonte]

Desde 2014, tramita no Senado Federal do Brasil o Projeto de Lei N.186,[6] que dispõe sobre a exploração de jogos de azar no Brasil, incluindo o jogo do bicho. O tema está sendo analisado pelos senadores e debatido publicamente junto à sociedade civil.

Tabela dos bichos[editar | editar código-fonte]

Os números atuais do jogo são os seguintes:

Grupo 01 02 03 04 05
Animal Avestruz
Avestruz
01--02--03--04
Águia
Águia
05--06--07--08
Burro
Burro
09--10--11--12
Borboleta
Borboleta
13--14--15--16
Cachorro
Cachorro
17--18--19--20
Grupo 06 07 08 09 10
Animal Cabra
Cabra
21--22--23--24
Carneiro
Carneiro
25--26--27--28
Camelo
Camelo
29--30--31--32
Cobra
Cobra
33--34--35--36
Coelho
Coelho
37--38--39--40
Grupo 11 12 13 14 15
Animal Cavalo
Cavalo
41--42--43--44
Elefante
Elefante
45--46--47--48
Galo
Galo
49--50--51--52
Gato
Gato
53--54--55--56
Jacaré
Jacaré
57--58--59--60
Grupo 16 17 18 19 20
Animal Leão
Leão
61--62--63--64
Macaco
Macaco
65--66--67--68
Porco
Porco
69--70--71--72
Pavão
Pavão
73--74--75--76
Peru
Peru
77--78--79--80
Grupo 21 22 23 24 25
Animal Touro
Touro
81--82--83--84
Tigre
Tigre
85--86--87--88
Urso
Urso
89--90--91--92
Veado
Veado
93--94--95--96
Vaca
Vaca
97--98--99--00

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Benatte, Antônio Paulo (abril de 2008). «É bicho na cabeça». Editora Duetto. História Viva (54): 66-70 
  2. «Como, quando e onde surgiu o jogo do bicho?». Revista Galileu. Consultado em 2 de outubro de 2020 
  3. «The Animal Game - TIME». web.archive.org. 9 de fevereiro de 2009. Consultado em 12 de dezembro de 2022 
  4. Jornal do Brasil, 4 julho 1892
  5. «Jogo do Bicho na Lei de Contravenção Penal». Consultado em 20 de setembro de 2015 
  6. Projeto de Lei N.186 Senado Federal do Brasil

Ligações externas[editar | editar código-fonte]