Caminhos de Ferro do Estado – Wikipédia, a enciclopédia livre

Caminhos de Ferro do Estado
Caminhos de Ferro do Estado
Brasão dos Caminhos de Ferro do Estado, Exposto no Museu Nacional Ferroviário
Razão social Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado
Organização governamental
Atividade Transporte ferroviário
Fundação 14 de Julho de 1899
Destino Extinta e integrada na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses
Encerramento 11 de Maio de 1927
Área(s) servida(s) Portugal
Locais Porto, Estremoz, Barreiro
Sucessora(s) Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses

A Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado, mais conhecida como Caminhos de Ferro do Estado ou pela sigla CFE, foi uma organização governamental portuguesa, que assegurou a gestão e a construção de várias linhas férreas em território nacional. Foi formada por uma lei de 14 de Julho de 1899, e integrada na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses no dia 11 de Maio de 1927.

Carruagem com dois pisos na estação de Nine. A carruagem pintada de cor negra ostenta a sigla C. F. M. D., da Divisão dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro.

Descrição[editar | editar código-fonte]

Esta companhia encontrava-se sob a tutela do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, embora, até 1901, o conselho de administração tenha-se caracterizado por uma quase total autonomia em relação a este organismo.[1] Uma das suas instalações de maior importância foi o sanatório para tuberculosos Vasconcelos Porto, situado nas imediações de São Brás de Alportel, no Algarve, e que foi inaugurado em 1918.[2]

A exploração do Caminhos de Ferro do Estado estava centradas em duas grandes divisões: o Sul e Sueste, que era responsável pelas linhas do Sado, Sines,[3] Alentejo, Algarve e de Évora, e pelos ramais de Moura, Montijo, Mora, Reguengos[4] Portalegre e Montemor.[3] Quanto à divisão do Minho e Douro, esta fez a exploração das linhas do Douro, Minho, Tâmega, Sabor e Corgo, e dos ramais de Braga e Alfândega do Porto.[3] Também foi responsável pela construção do Ramal de Tomar, embora a exploração tenha sido assumida pela Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.[3]

Material circulante[editar | editar código-fonte]

Entre o material circulante da operadora, destaca-se a existência de várias carruagens de dois pisos com lugares de segunda e terceira classes, que foram construídas em 1875 pela casa Chevalier, e que fizeram parte dos serviços que ligavam o Porto a Braga e Penafiel.[5] Em termos de material motor, esta divisão possuía várias locomotivas a vapor, como a locomotiva-tender MD16 Mira, construída pela casa britânica Beyer Peacock em 1878,[5] ou a E161, fabricada pela empresa alemã Henschel & Sohn em 1905, e que esteve ao serviço na Linha do Corgo.[6]

Em termos de sistemas de atrelagem, na Linha do Corgo foi utilizado um esquema inspirado nos caminhos de ferro alemães, de tampão central obliterado nas laterais e um tensor de engate lateral.[7]

História[editar | editar código-fonte]

Século XIX[editar | editar código-fonte]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Apesar da sua importância para a economia nacional, a construção da rede ferroviária nas regiões a Sul do Tejo encontrou várias dificuldades desde o seu princípio, incluindo problemas financeiros, políticos e legais, agravados pela inexperiência neste tipo de obras.[4] Assim, a execução deste projecto revelou-se muito lenta e dispendiosa, e vários troços estavam muito atrasados, o que obrigava à intervenção quase constante do Estado Português.[4]

Assim, e uma vez que a Companhia dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, única responsável pela construção e gestão da Rede Ferroviária ao Sul do Tejo, se encontrava em problemas de ordem financeira, tornando muito improvável a continuação dos projectos acordados com o estado, principalmente a ligação entre Beja e o Algarve, levou o governo a nacionalizar as linhas e assumir a responsabilidade pelas suas obras; a exploração das linhas continuou a ser assegurada pela Companhia.[4]

No entanto, os vários concursos abertos pelo Estado para a conclusão das linhas, entre 1873 e 1883, não produzem quaisquer resultados, devido ao receio que os investidores tinham em financiar projectos deste tipo, fruto dos fracassos anteriores. Assim, tornou-se necessário que o próprio governo tomasse conta das obras, o que foi autorizado por legislação de 1883.[4] Porém, a administração do estado também se revelou deficiente, devido à elevada centralização e burocracia, que atrasava e onerava as operações ferroviárias. Assim, tornou-se necessário criar uma organização, também de cariz governamental, mas com uma certa independência em relação ao estado, que chamasse a si a responsabilidade da gestão e construção da rede ferroviária.[4]

Formação[editar | editar código-fonte]

Para este efeito, foi formada, por um decreto de 6 de Outubro de 1898, uma comissão encarregada de estudar e apresentar propostas para a reforma do sistema de administração dos caminhos de ferro por conta do estado; uma lei, promulgada em 14 de Julho de 1899, baseada nos resultados dos estados da comissão, formou oficialmente a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado, com um conselho de administração próprio, o que lhe garantia uma certa independência em relação aos outros organismos do governo.[4] A mesma norma também criou o Fundo Especial de Caminhos de Ferro, cuja função era auxiliar financeiramente os Caminhos de Ferro do Estado, e que se revelou de elevada importância devido ao apoio que deu para a instalação e renovação de infra-estruturas, como as estações, vias, oficinas, pontes e sinalização.[4]

Século XX[editar | editar código-fonte]

Estação de Moura, no final do Ramal com o mesmo nome.

A formação dos Caminhos de Ferro do Estado foi acompanhada de uma série de reformas da legislação e operações ferroviárias, levadas a cabo entre 1899 e 1905, e que modernizaram os caminhos de ferro em Portugal e estimularam a iniciativa, o que se revelou através da construção de novos troços e conclusão dos projectados,[4] como os Ramais de Moura, em 1902,[8] Portimão, em 1903,[9] Vendas Novas, em 1904,[10] Vila Viçosa, em 1905,[11] e a Linha da Beira Baixa, também em 1904.[9] Foram igualmente construídas novas infra-estruturas, como a cocheira para locomotivas na Estação de Estremoz, na Linha de Évora.[12]

Um decreto de 24 de Dezembro de 1901 reformulou a organização do conselho de administração desta empresa,[13] passando a ser controlado por uma comissão executiva, que respondia directamente ao ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria.[1] No mesmo mês, o conselho de administração foi encarregado de abrir um concurso para a construção da Ponte do Pocinho, e da ponte rodoviária do Pinhão.[14]

Em 1906 foi inaugurada a primeira linha férrea de via métrica sob a égide dos Caminhos de Ferro de Estado, a Linha do Corgo, que então ligava apenas o Peso da Régua a Vila Real.[7]

O Decreto n.º 4206, publicado em 4 de Maio de 1918 pelo Ministério das Subsistências e Transportes, extinguiu o conselho de administração dos Caminhos de Ferro do Estado, passando todas as suas competências para a Direcção Geral dos Transportes Terrestres.[15] No entanto, esta decisão foi muito polémica, tendo sido revogada logo em 11 de Junho, pelo Decreto n.º 4389,[16] tendo o conselho de administração sido reestabelecido pelo Decreto 5039, de 30 de Novembro, que também aprovou o Regulamento Geral das Direcções dos Caminhos de Ferro do Estado.[17] O Decreto n.º 5328, de 25 de Março de 1919, reformulou a forma como era feita a direcção desta organização, passando a denominar-se de Caminhos de Ferro do Estado, e a ser gerida pela Administração dos Caminhos de Ferro do Estado, sob a tutela do Ministério dos Abastecimentos.[18] A administração dos Caminhos de Ferro do Estado voltou a ser modificada pelos Decretos 5605, de 10 de Maio do mesmo ano,[19] 8924, de 18 de Junho de 1923,[20] e 9779, de 7 de Junho de 1924.[21]

Em 1927, esta empresa já tinha criado vários serviços rápidos até ao Algarve, que permitiam viagens com menos de seis horas de duração.[22]

Extinção[editar | editar código-fonte]

O Decreto n.º 12:684, de 16 de Novembro de 1926, autorizou o governo a abrir concursos para a exploração das linhas férreas exploradas pelo estado, destinados a companhias portuguesas. As redes de linhas correspondentes às Divisões do Sul e Sueste e do Minho e Douro podiam ser alugadas em conjunto ou separadamente, sendo estas unidades administrativas extintas e integradas nas empresas que vencessem o concurso.[23]

O concurso foi anunciado no dia 17 de Novembro do mesmo ano, aprovado por uma portaria no dia seguinte, e aberto no dia 22; foram recebidas dez propostas por parte de sete empresas, tendo sido aceite, com algumas alterações no concurso, a proposta da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, que tinha a preferência da Procuradoria-Geral da República.[24] O Ministério do Comércio e Comunicações autorizou, pelo decreto 13:260, de 9 de Março de 1927, o arrendamento das linhas do estado, durante um período de 30 anos, devendo ambas as divisões dos Caminhos de Ferro do Estado, com o seu respectivo imobilizado e funcionários, ser integradas na Companhia.[25] O contrato foi assinado em 11 de Março,[24] e a Companhia iniciou a exploração das antigas linhas do estado em 11 de Maio.[26]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b «Parte Official» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (338). Lisboa. 16 de Janeiro de 1902. p. 19. Consultado em 26 de Setembro de 2015 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  2. REIS et al, 2006:70
  3. a b c d TORRES, Carlos Manitto (16 de Fevereiro de 1958). «A evolução das linhas portuguesas e o seu significado ferroviário» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 70 (1684). Lisboa. p. 91-95. Consultado em 30 de Janeiro de 2023 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  4. a b c d e f g h i «A evolução das linhas portuguesas e o seu significado ferroviário» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 70 (1683). Lisboa. 1 de Fevereiro de 1958. p. 76-78. Consultado em 7 de Fevereiro de 2014 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  5. a b REIS et al, 2006:27
  6. REIS et al, 2006:52
  7. a b TÃO, Manuel Margarido (2005). «Atrelagens: Uma breve abordagem histórica». Foguete. Entroncamento: Associação de Amigos do Museu Nacional Ferroviário. p. 38. ISSN 124550 Verifique |issn= (ajuda) 
  8. CAPELO et al, 1994:252
  9. a b MARTINS et al, 1996:12
  10. CAPELO et al, 1994:253
  11. CAPELO et al, 1994:254
  12. BLÁZQUEZ, José Luís Torres (1992). «El Museo de Ferrocarril de Estremoz». Maquetren (em espanhol). Ano 2 (8). Madrid: Resistor, S. A. p. 13 
  13. «Legislação de obras públicas» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (337). Lisboa. 1 de Janeiro de 1902. p. 10. Consultado em 26 de Setembro de 2015 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  14. «Parte Official» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 15 (341). Lisboa. 1 de Março de 1902. p. 68-69. Consultado em 26 de Setembro de 2015 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  15. PORTUGAL. Decreto n.º 4:206, de 4 de Maio de 1918. Ministério das Subsistências e Transportes. Publicado no Diário do Govêrno n.º 96, Série I, de 4 de Maio de 1918
  16. PORTUGAL. Decreto n.º 4:389, de 11 de Junho de 1918. Secretaria de Estado das Subsistências e Transportes. Publicado no Diário do Govêrno n.º 128, de 12 de Junho de 1918.
  17. PORTUGAL. Decreto n.º 5:039, de 30 de Novembro de 1918. Secretaria de Estado dos Abastecimentos. Publicado no Diário do Govêrno n.º 266, Série I, de 9 de Dezembro de 1918
  18. PORTUGAL. Decreto n.º 5:328, de 25 de Março de 1919. Ministério dos Abastecimentos. Publicado no Diário do Govêrno n.º 63, 1º Suplemento, Série I, 27 de Março de 1919
  19. PORTUGAL. Decreto n.º 5:605, de 10 de Maio de 1919. Ministério dos Abastecimentos
  20. PORTUGAL. Decreto n.º 8:924, de 18 de Junho de 1923. Ministério do Comércio e Comunicações. Publicado no Diário do Govêrno n.º 129, Série I, de 18 de Junho de 1923
  21. PORTUGAL. Decreto n.º 9:779, de 7 de Junho de 1924. Ministério do Comércio e Comunicações. Publicado no Diário do Govêrno n.º 127, Série I, de 7 de Junho de 1924.
  22. Guerreiro, 1983:XIII
  23. PORTUGAL. Decreto n.º 12:684, de 16 de Novembro de 1926. Direcção Geral de Caminhos de Ferro. Publicado no Diário do Govêrno n.º 258, Série I, de 18 de Novembro de 1926.
  24. a b TORRES, Carlos Manitto (16 de Janeiro de 1958). «A evolução das linhas portuguesas e o seu significado ferroviário» (PDF). Gazeta dos Caminhos de Ferro. Ano 70 (1682). Lisboa. p. 61-64. Consultado em 26 de Setembro de 2015 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  25. PORTUGAL. Decreto n.º 13:260, de 9 de Março de 1927. Ministério do Comércio e Comunicações. Publicado no Diário do Govêrno n.º 48, Série I, de 9 de Março de 1927.
  26. REIS et al, 2006:63
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Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • CAPELO, Rui Grilo; et al. (1994). História de Portugal em Datas. [S.l.]: Círculo de Leitores, Lda. e Autores. 480 páginas. ISBN 972-42-1004-9 
  • GUERREIRO, Aníbal C. (1983). História da Camionagem Algarvia (de passageiros) 1925-1975. da origem à nacionalização. Vila Real de Santo António: edição do autor. 233 páginas 
  • MARTINS, João; BRION, Madalena; SOUSA, Miguel de; et al. (1996). O Caminho de Ferro Revisitado. O Caminho de Ferro em Portugal de 1856 a 1996. Lisboa: Caminhos de Ferro Portugueses. 446 páginas 
  • REIS, Francisco; GOMES, Rosa; GOMES, Gilberto; et al. (2006). Os Caminhos de Ferro Portugueses 1856-2006. Lisboa: CP-Comboios de Portugal e Público-Comunicação Social S. A. 238 páginas. ISBN 989-619-078-X