Decupagem – Wikipédia, a enciclopédia livre

Decupagem (do francês découpage, derivado do verbo découper, recortar) significa, originalmente, o ato de recortar, ou cortar dando forma. Na indústria, indica um processo de fabricação de peças metálicas por recorte de superfície. Nas artes decorativas, um sistema de colagem de papel e papelão sobre objetos.

Em cinema e audiovisual, decupagem é o planejamento da filmagem, a divisão de uma cena em planos e a previsão de como estes planos vão se ligar uns aos outros através de cortes.

Decupagem como roteiro técnico[editar | editar código-fonte]

Segundo o "Dicionário teórico e crítico de cinema" de Jacques Aumont e Michel Marie, o termo decupagem começou a ser usado em cinema na década de 1910, com a padronização da realização dos filmes, e designava a princípio um instrumento de trabalho, o "roteiro decupado" ou "roteiro técnico", último estágio do planejamento do filme, em que todas as indicações técnicas (posição e movimento de câmara, lente a ser utilizada, personagens e partes do cenário que estão em quadro, etc.) eram colocadas no papel para organizar e facilitar o trabalho da equipe.[1]

Em inglês, o roteiro decupado é chamado de shooting script; em espanhol, de guión técnico.

Decupagem como ordenação dos planos[editar | editar código-fonte]

A partir dos anos 1940, a palavra decupagem migra do campo da realização para o da crítica, passando a designar a estrutura do filme como conjunto ordenado de planos, tal como percebido pelo espectador atento.

É nesse sentido que André Bazin cria a noção de decupagem clássica, oposta à do cinema fundado na montagem, apresentando-a a princípio em uma série de artigos para a revista Cahiers du Cinéma (1951), mais tarde reunidos em sua obra "Qu'est-ce que le cinéma?" (1958).[2]

Decupagem como forma do filme[editar | editar código-fonte]

A definição de decupagem é retrabalhada pela corrente neoformalista, especialmente por Noël Burch em seu livro "Práxis do cinema" (1969).

Considerando o filme como uma série de fatias de espaço (o enquadramento de cada plano, fixo ou em movimento) e de fatias de tempo (a duração de cada plano), Burch constrói um significado cumulativo para sua noção de decupagem: (a) a planificação por escrito de cada cena do filme, com indicações técnicas detalhadas; (b) o conjunto de escolhas feitas pelo realizador quando da filmagem, envolvendo planos e possíveis cortes; (c) "a feitura mais íntima da obra acabada, resultante da convergência de uma decupagem no espaço e de uma decupagem no tempo".[3]

Ou seja: a decupagem de um filme, ou de cada cena de um filme, é um processo que começa na planificação, se concretiza na filmagem e assume sua forma definitiva na montagem.

Segundo Burch, nos anos 1950-1960, a noção de decupagem, com estes três sentidos sobrepostos, só existia em francês. O cineasta norte-americano, por exemplo, era obrigado a pensar em marcação (set-up) e montagem (cutting), como dois processos separados.[4] "Se nunca lhe vem ao espírito que essas duas operações participam de um único e mesmo conceito, é talvez porque lhe falte uma palavra para o designar. E, se os progressos formais mais importantes dos últimos quinze anos foram executados na França, é talvez um pouco por uma questão de vocabulário."

Decupagem como listagem posterior (pós-produção de vídeo)[editar | editar código-fonte]

No Brasil, especialmente entre os profissionais de televisão, a palavra decupagem foi adotada com um significado diferente, na verdade oposto ao de qualquer planejamento de filmagem, uma vez que ele começa depois que a filmagem está concluída: é a decupagem de fitas, também chamada decupagem de claquetes ou minutagem.

O processo consiste em registrar as características de cada trecho gravado, bem como o ponto da fita em que ele se encontra, para facilitar sua localização posterior. É um procedimento análogo à indexação e classificação em categorias ou tags, que permite a recuperação de dados sobre livros, textos, documentos, etc.

Referências

  1. AUMONT, Jacques e MARIE, Michel: "Dicionário teórico e crítico de cinema", Papirus Editora, Campinas, 2003, p. 71.
  2. BAZIN, André: "O que é o cinema". Editora Brasiliense, São Paulo, 1991.
  3. BURCH, Noël: "Práxis do cinema". Editora Perspectiva, São Paulo, 1969, pp. 11-12.
  4. KONIGSBERG, Ira: "The complete film dictionary", Meridian Books, 1987, p. 74.