Democracia cristã – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: Se procura o partido político brasileiro, veja Democracia Cristã (Brasil).

Democracia cristã é uma ideologia política baseada na interseção da fé cristã com um modelo de governança democrática voltado à promoção do Estado de bem-estar social numa economia mista.[1][2][3] É uma abordagem política que busca trazer princípios e valores vistos por cristãos como intrínsecos ao cristianismo como, por exemplo, solidariedade, personalismo e humanismo para o contexto político.[4] É democrática na medida em que, desde a sua origem, aderiu aos ideais da democracia pluralista ocidental e é cristã porque representa a defesa e aplicação dos valores cristãos na vida política nacional e internacional.[5] Tal como os outros grandes movimentos políticos, as prioridades e políticas postas em prática por políticos e partidos democratas-cristãos podem variar consideravelmente em diferentes países e em diferentes épocas.[6]

A origem da democracia cristã remonta do século XIX, na Europa, como resposta à crescente urbanização e à emergência do socialismo no continente. Nesse contexto, líderes cristãos se uniram com objetivo de desenvolver uma alternativa ao capitalismo laissez-faire e ao socialismo.[7]

A democracia cristã foi radicada na Doutrina Social da Igreja Católica,[8][9] bem como na neoescolástica[10][11][12] e na tradição calvinista.[13][14] Posteriormente, ganhou popularidade com luteranos e pentecostais, entre outras tradições dominantes do cristianismo ao redor do mundo.[14] Os primeiros partidos democratas-cristãos foram fundados por influência católica na Alemanha, na Áustria, na Bélgica e na Suíça. Posteriormente, surgiram partidos em países historicamente protestantes, como nos Países Baixos e Suécia.

Ao longo da história, democratas-cristãos rejeitaram o liberalismo econômico e o individualismo e apoiaram o intervencionismo econômico ao mesmo tempo que defenderam o direito à propriedade privada contra intervenção estatal excessiva.[15] Sendo assim, a democracia cristã tem sido historicamente considerada de centro-esquerda em questões econômicas e laborais, remetendo à social-democracia, e de centro-direita em questões sociais e morais, remetendo ao conservadorismo.[16]

Os partidos democratas-cristãos agrupam-se na Internacional Democrata Cristã (IDC), também chamada de Internacional Democrata Centrista (IDC), a segunda maior organização política internacional, dividida em grupos regionais. Os partidos democratas-cristãos da Europa agrupam-se no Partido Popular Europeu, o grupo regional europeu da IDC e, atualmente, maior grupo político no Parlamento Europeu. Os partidos democratas-cristãos das Américas agrupam-se na Organização Democrata Cristã da América (ODCA), também um grupo regional da IDC.

Exemplos de partidos historicamente ligados à democracia cristã incluem a União Democrata-Cristã da Alemanha, o Partido Popular Austríaco da Áustria, o Fine Gael da Irlanda, o Partido Popular da Espanha, o Partido Democrata-Cristão da Suíça, o Apelo Democrata-Cristão dos Países Baixos, o Partido Democrata Cristão do Chile, o Centro Democrático Social - Partido Popular de Portugal, o Democracia Cristã do Brasil. O português Partido Social Democrata e o brasileiro Partido da Social Democracia Brasileira também contam com correntes democratas-cristãs. Grandes líderes da democracia cristã incluem Konrad Adenauer e Helmut Kohl (Alemanha), Alcide De Gasperi, Aldo Moro e Giulio Andreotti (Itália), Adolfo Suárez (Espanha), Éamon de Valera (Irlanda), Franco Montoro (Brasil), entre outros.

Visão geral dos pontos de vista[editar | editar código-fonte]

Democratas-cristãos tendem a ser socialmente conservadores[17] e a ter uma postura cética em relação ao direito ao aborto e o casamento homoafetivo, embora alguns aceitem a legalização limitada de ambos. Eles defendem a ética de vida consistente no diz respeito à pena de morte ou ao suicídio assistido.[18] Muitos também defendem a proibição de drogas.

As opiniões dos democratas-cristãos incluem valores morais tradicionais,[19] oposição à secularização, oposição ao ateísmo estatal, uma visão do desenvolvimento evolutivo (em oposição ao revolucionário) da sociedade, uma ênfase na lei na ordem e uma rejeição do comunismo.[20] Eles estão abertos a mudanças e não necessariamente apoiam o status quo social, enfatizando os direitos humanos e a iniciativa individual. Os democratas-cristãos defendem que vários setores da sociedade (como a educação, a família, a economia, o Estado) devem ter autonomia e responsabilidade sobre si.[21]

Democratas-cristãos enfatizam a comunidade, a justiça social e a solidariedade, juntamente com o apoio ao Estado de bem-estar social, aos sindicatos e à regulação das forças do mercado.[1] A maioria dos democratas-cristãos europeus rejeita a luta de classes e prefere a codeterminação,[22] enquanto os democratas-cristãos estadunidenses optam pela defesa do distributismo, da democracia no local de trabalho e da autogestão.[23][24]

O Estado de bem-estar cristão visa apoiar famílias e depende frequentemente de instituições intermediárias para prestar serviços sociais, muitas vezes com apoio do Estado.[25]

Democratas-cristãos apoiam o princípio de administração, que defende a ideia de que os humanos devem salvaguardar o planeta para as futuras gerações de vida.[2] Eles também tendem a ter uma visão conciliadora em relação à imigração.[26]

Democracia cristã em Portugal[editar | editar código-fonte]

Atualmente, o único partido português com representação parlamentar originado com base na democracia cristã é o Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP). O CDS-PP foi fundado em 1974, logo após a Revolução dos Cravos, sob a liderança de um destacado democrata-cristão, Diogo Freitas do Amaral. Com ele estava Adelino Amaro da Costa, cofundador do referido CDS-PP, e ex-Ministro da Defesa, que foi também um político democrata-cristão proeminente. Graças à ação conjunta de Freitas do Amaral e de Amaro da Costa, o CDS-PP, durante a década de 1970, obteve os seus resultados eleitorais mais expressivos, ganhando destaque no cenário político português. Assim como o CDS-PP, seu aliado na conservadora liberal Aliança Democrática, o Partido Social Democrata (PSD), também conta com uma pequena ala democrata-cristã.

Contudo, diferente do PSD, o CDS-PP não é membro da Internacional Democrata Centrista, que reúne os partidos democratas-cristãos e os partidos de ideologia de centro à centro-direita.[27] Atualmente, o CDS-PP é só membro do Partido Popular Europeu e da União Democrata Internacional.[28]

Mais intransigentemente democrata-cristão, o Partido da Democracia Cristã (PDC) existiu desde 1974, tendo contudo sido ilegalizado, pelo Movimento das Forças Armadas, durante o período do chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC), na sequência do golpe de 11 de Março de 1975. Ainda reapareceu na cena política portuguesa, após o golpe de 25 de Novembro de 1975, mas foi extinto em 2004. Uma das principais figuras do PDC foi Sanches Osório.

Nas eleições legislativas de 2005, o CDS-PP obteve apenas 12 cadeiras na Assembleia da República (AR). Nas eleições legislativas de 2009, o CDS-PP conquistou 21 deputados, conseguindo assim uma grande subida e tornando-se na terceira força política na AR (o número total de deputados na AR é de 230). Nas eleições legislativas de 2011, o partido subiu o seu número de deputados de 21 para 24, acabando, posteriormente, por formar governo com o PSD.

Na sequência da despenalização do aborto em Portugal em 2008, surgiu o Partido Cidadania e Democracia Cristã, aprovado pelo Tribunal Constitucional a 1 de julho de 2009 (sob o nome de Portugal pró Vida), que defende os princípios da democracia cristã e da Doutrina Social da Igreja.

Democracia cristã no Brasil[editar | editar código-fonte]

No Brasil, o representante mais destacado da democracia cristã foi o ex-governador de São Paulo, André Franco Montoro. A democracia cristã no Brasil enfrenta o problema de não ter uma legenda grande e única para promover suas ideias, ao contrário disso, o movimento democrata-cristão encontra-se diluído em diversos partidos geralmente mais alinhados ao moralismo do que a um preceito ideológico fundamentado. O Partido da Social Democracia Brasileira, partido fundado, entre outros, por Franco Montoro, reconhece a democracia cristã como uma de suas linhas, conforme expresso em seu documento de fundação. Além disso, o partido é membro da IDC[29] e observador na ODCA.[30]

Em termos de partidos abertamente democratas-cristãos, há o Democracia Cristã,[31] oriundo de uma antiga facção do Partido Democrata Cristão que não aceitou a fusão com o Partido Democrático Social. Outro partido que tinha fortíssima influência democrata-cristã em sua fundação era o extinto Partido Humanista da Solidariedade. O também extinto Partido Social Cristão chegou a se descrever como democrata-cristão.[32] Em 2021, um novo movimento democrata-cristão nasceu, denominado "Comunhão Popular".[33]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Matlary, Janne Haaland; Veiden, Pål; Hansen, David (2011). Tre essays om Kristendemokrati (em dinamarquês)
  2. a b Vervliet, Chris (1 de janeiro de 2009). Human Person (em inglês). [S.l.]: Adonis & Abbey Publishers Ltd 
  3. Grabow, Karsten (2011). «Christian Democracy: Principles and Policy-Making». Konrad-Adenauer-Stiftung e.V., Sankt Augustin (em inglês). ISBN 978-3-942775-30-4 
  4. da Cruz, Manuel Braga (1978). «As origens da democracia cristã em Portugal e o salazarismo (I)». Análise Social (54): 265–278. ISSN 0003-2573 
  5. «Pilares - Democracia-Cristã». juventudepopular.org. 30 de setembro de 2007. Consultado em 30 de outubro de 2021. Cópia arquivada em 30 de novembro de 2007 
  6. «Arquivo Andre Franco Montoro - Produção Intelectual - DocReader Web». www.docvirt.com. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  7. Adams, Ian (2001). Political Ideology Today (em inglês). [S.l.]: Manchester University Press. ISBN 978-0-7190-6020-5 
  8. Campos, Isabel Menéres. «Liberdade para ser de direita: democracia cristã». Observador. Consultado em 17 de outubro de 2020 
  9. Heywood, Andrew (2012). Political Ideologies: An Introduction (em inglês). [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-230-36994-8 
  10. Witte, John, ed. (1993). Christianity and Democracy in Global Context (em inglês). [S.l.]: Westview Press. ISBN 978-0-8133-1843-1 
  11. Caciagli, Mario; Robeck, Cecil M; Yong, Amos (2008). Christian democracy. The Cambridge History of Twentieth-Century Political Thought (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9781139053600 
  12. Invernizzi Accetti, Carlo (2019). What is Christian Democracy?: Politics, Religion and Ideology (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press 
  13. Nijhoff, Rob A (2011). "Christian Democracy in neo-Calvinist perspective" (em inglês). Sfera Politicii.
  14. a b Freeden, Michael (2004). Reassessing Political Ideologies: The Durability of Dissent (em inglês). [S.l.]: Routledge. ISBN 978-1-134-52146-3 
  15. «Christian democracy». Encyclopædia Britannica (em inglês). 17 de novembro de 2023. Consultado em 3 de dezembro de 2023 
  16. Kte'pi, Bill (2009). Wankel, Charles, ed. Encyclopedia of Business in Today's World: A – C (em inglês). [S.l.]: Sage. ISBN 978-1-4129-6427-2 
  17. Comelli, Martino (dezembro de 2021). «Paradoxes of (il)liberal democracy: the role of Christian Democracy». Innovation: The European Journal of Social Science Research (em inglês). doi:10.1080/13511610.2021.2016377 
  18. Engeli, Isabelle; Varone, Frederic (2012). Engeli, Isabelle; Green-Pedersen, Christoffer; Larsen, Lars Thorup, ed. Morality Politics in Switzerland: Politicization through Direct Democracy (em inglês). [S.l.]: Palgrave Macmillan. ISBN 978-0-230-30933-3 
  19. Poppa, Terrence E. (2010). Drug Lord: A True Story: The Life and Death of a Mexican Kingpin (em inglês). [S.l.]: Cinco Puntos Press. ISBN 978-1-935955-00-9 
  20. Dussel, Enrique (1981). A History of the Church in Latin America (em inglês). [S.l.]: Wm. B. Eerdmans. ISBN 978-0-8028-2131-7 
  21. Monsma, Stephen V. (2012). Pluralism and Freedom: Faith-based Organizations in a Democratic Society (em inglês). [S.l.]: Rowman & Littlefield. ISBN 978-1-4422-1430-9 
  22. Fogarty, Michael P. (1957). Christian democracy in Western Europe, 1820–1953 (em inglês). [S.l.]: Routledge & Paul. ISBN 9780837171142 
  23. «The American Solidarity Party is growing. Can it succeed?». The Pillar (em inglês). 16 de julho de 2021. Consultado em 4 de dezembro de 2023 
  24. Dreher, Rod (16 de outubro de 2020). «Solidarity? In America?». The American Conservative (em inglês). Consultado em 4 de dezembro de 2023 
  25. Esping-Andersen, Gøsta (1990). The three worlds of welfare capitalism (em inglês). [S.l.]: Princeton University Press 
  26. Almeida, Dimitri (2012). The Impact of European Integration on Political Parties: Beyond the Permissive Consensus (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis. ISBN 978-1-136-34039-0 
  27. «Membros portugueses da União Internacional Centrista». Consultado em 15 de outubro de 2009. Arquivado do original em 11 de abril de 2009 
  28. «Membros da União Internacional Democrata». Consultado em 15 de outubro de 2009. Arquivado do original em 6 de outubro de 2009 
  29. «Internacional Democrata Centrista» 
  30. «Organização Democrata Cristã da América» 
  31. «Programa». Democracia Cristã. Consultado em 19 de fevereiro de 2024 
  32. Waltenberg, Guilherme (30 de abril de 2022). «PSC reformula programa e se posiciona como "democracia cristã"». Poder360. Consultado em 9 de dezembro de 2023. Cópia arquivada em 9 de dezembro de 2023 
  33. «Comunhão Popular - Movimento político de inspiração cristã». Comunhão Popular. 17 de dezembro de 2022. Consultado em 1 de agosto de 2023 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]