Ecolocalização – Wikipédia, a enciclopédia livre

Ecolocalização ou Biossonar é um sentido, uma sofisticada capacidade biológica de detectar a posição e/ou distância de objetos (obstáculos no meio ambiente) ou animais através de emissão de ondas ultrassônicas, no ar ou na água, e análise ou cronometragem do tempo gasto para essas ondas serem emitidas, refletirem no alvo e voltarem à fonte sobre a forma de eco (ondas refletidas). Para diversos mamíferos, como morcegos e golfinhos, essa capacidade é de importância crucial em condições onde a visão é insuficiente, de noite no caso dos morcegos ou em águas escuras ou turvas para os golfinhos, seja para locomoção ou para captura de presas. Alguns Morcegos também utilizam a ecolocalização para voarem em cavernas. Baseado nessa capacidade natural, os seres humanos desenvolveram a "ecolocalização artificial" com o advento do radar, sonar e aparelhos de ultrassonografia.[1]

História[editar | editar código-fonte]

Apesar de essa capacidade ter sido postulada pelo biólogo italiano Lazzaro Spallanzani (1729-1799), foi descrita primeiramente nos anos de 1930.

Ecolocalização em morcegos[editar | editar código-fonte]

Esquema da ecolocalização em morcego, emitindo ultrassons (em vermelho) que atingem o objeto (em azul), sendo refletidas sobre a forma de eco (em verde) e voltando ao morcego que calcula a distância (r) com base no tempo entre a emissão e recepção
Morcego-das-hortas (Eptesicus serotinus)

Os morcegos são animais mamíferos muito diferente dos demais, principalmente por serem os únicos adaptados ao voo verdadeiro, habilidade que compartilham com as aves e os insetos. Durante o dia, dormem pendurados pelos pés em cavernas, forros de casas abandonadas ou árvores. Tem hábitos noturnos, portanto à noite saem à procura de alimento, e consomem principalmente insetos, frutos e também néctar de algumas flores. Os que se alimentam de sangue de gado e outros animais são chamados de morcegos hematófagos. A maioria dos morcegos possui um sentido adicional, aliado aos cinco sentidos com que os humanos estão acostumados: a ecolocalização ou biosonar, trata-se de um poderoso e importante recurso para orientação à noite ou em ambientes escuros como cavernas e para captura de presas.

Funcionamento[editar | editar código-fonte]

O morcego emite ondas ultrassônicas, isso é, com frequência muito alta, na faixa de 20 a 215 quilohertz (kHz), pelas narinas ou pela boca, dependendo da espécie. Essas ondas atingem obstáculos no meio ambiente e voltam na forma de ecos com frequência menor. Esses ecos são recebidos pelo morcego e com base no tempo em que os ecos demoraram a voltar, nas direções de onde vieram e nas direções de onde nenhum eco veio, os morcegos percebem se há obstáculos no caminho, as distâncias, as formas e as velocidades relativas entre eles, no caso de insetos voadores que servem de alimento, por exemplo. Desse modo esse sentido chama-se ecolocalização, ou seja, orientação por ecos, uma habilidade que eles dividem com os golfinhos e as baleias e alguns pássaros. O modo de utilizá-la varia para cada espécie, alguns emitem sons puros que duram até 150 milissegundos, enquanto outros usam uma série de “chilreios” curtos. A eficiência da ecolocalização também varia entre as espécies, sendo que os de hábito alimentar insetívoro, ou predadores de insetos em geral, geralmente possuem esse sistema muito desenvolvido. Morcegos que se alimentam de plantas também tem uma ecolocalização bem eficiente, ao contrário do que se pensava há alguns anos, usando esse sentido para encontrar e identificar frutos [2] e flores [3]. Dentro de colônias, mães e filhotes também usam a ecolocalização para se identificarem [4]. Mesmo na escuridão total, o morcego consegue capturar sua presa em pleno voo.

Ecolocalização em golfinhos[editar | editar código-fonte]

Ilustração animada do golfinho utilizando a ecolocalização para capturar um peixe
Delfim-comum - (Delphinus delphis)

Os golfinhos (em língua inglesa também chamado de "baleia dentada") são animais mamíferos cetáceos do grupo dos Odontoceti. São perfeitamente adaptados para viver no meio ambiente áquático, e existem mais de 60 espécies conhecidas de golfinhos, dentre os de água salgada e água doce. Entre elas, a cachalote é a mais conhecida, e uma das espécies mais comuns é a Delphinus delphis.

Funcionamento[editar | editar código-fonte]

O golfinho possui um extraordinário sistema acústico de ecolocalização que lhe permite obter informações sobre outros animais e o meio ambiente, pois consegue produzir sons de alta frequência ou ultrassônicos, na faixa de 150 quilohertz, sob a forma de cliques ou estalidos. Esses sons são gerados pelo ar inspirado e expirado através de um órgão existente no alto da cabeça, os sacos nasais ou aéreos. Os sons provavelmente são controlados, amplificados e enviados à frente através de uma ampola cheia de óleo situada na nuca ou testa, o Espermatócito, que dirige as ondas sonoras em feixe à frente, para o ambiente aquático. Esse ambiente favorece muito esse sentido, pois o som se propaga na água cinco vezes mais rápido do que no ar. A frequência desses estalidos é mais alta que a dos sons usados para comunicações e é diferente para cada espécie.

Quando o som atinge um objeto ou presa, parte é refletida de volta na forma de eco e é captado por um grande órgão adiposo ou tecido especial no seu maxilar inferior ou mandíbula, sendo os sons transmitidos ao ouvido interno ou médio e daí para o cérebro. Grande parte do cérebro está envolvida no processamento e na interpretação dessas informações acústicas geradas pela ecolocalização.

Assim que o eco é recebido, o golfinho gera outro estalido. Quanto mais perto está do objeto que examina, mais rápido é o eco e com mais frequência os estalidos são emitidos. O lapso temporal entre os estalidos permite ao golfinho identificar a distância que o separa do objeto ou presa em movimento. Pela continuidade deste processo, o golfinho consegue segui-los, sendo capaz de o fazer num ambiente com ruídos, de assobiar e ecoar ao mesmo tempo e pode ecoar diferentes objetos simultaneamente.

A ecolocalização dos golfinhos, além de permitir saber a distância do objeto e se o mesmo está em movimento ou não, permite saber a textura, a densidade e o tamanho do objeto ou presa.

Baleias x golfinhos[editar | editar código-fonte]

Diferentemente dos golfinhos, baleias não realizam ecolocalização. A característica mais marcante das baleias (Mysticeti) é, naturalmente, a sua barbatana, uma estrutura serrilhada que substitui os dentes, onde seu alimento se prende. Estas baleias desenvolveram placas em vez de dentes, que elas utilizam como um filtro. Esta é uma adaptação útil porque, embora essas criaturas sejam enormes, elas preferem se alimentar de alguns dos organismos mais pequenos no mar, como o krill ou o plâncton. Após seu alimento se grudar às barbatanas, a baleia passa a língua por elas, coletando esses pequenos organismos, que serão digeridos. Os golfinhos, também chamados de botos, fazem parte dos Odontoceti, os cetáceos com dentes. Seus dentes são fortes e os utilizam-nos para se alimentar e lutar umas com as outras pelo direito de acasalar as fêmeas. Este grupo inclui várias espécies que popularmente são chamadas de baleia, mas que, na verdade, são golfinhos, como orcas, cachalotes, baleias-belugabaleias-piloto.[5]

Ondas sonoras x canto das baleias[editar | editar código-fonte]

As baleias produzem um som com a sua laringe e cavidades, que estão ligados aos respiradores. Elas possuem um órgão na frente de suas cabeças semelhante a um melão. Ele atua como uma lente para focar as ondas sonoras em um feixe estreito. Os ecos são recebidos no maxilar inferior, que funciona como um receptor. Os ecos são transmitidos para o ouvido interno. O lapso de tempo que ocorre entre o som da baleia e o eco permite que a baleia determine a distância do objeto. Esse processo só ocorre em golfinhos.

Já no caso do canto das baleias, o que ocorre é a produção de um som utilizado para elas se comunicarem entre si. Acredita-se que, enquanto os complexos e inesquecíveis sons da baleia-jubarte e algumas baleias-azuis sejam utilizados principalmente na época de seleção sexual, os sons mais simples de outras baleias são utilizados durante todo o ano. Esse processo só ocorre em baleias de barbatana.[6]

Ecolocalização em pássaros[editar | editar código-fonte]

Antena de radar

O pássaro-do-petróleo ou Guácharo sul-americano (Steatornis caripensis) e certo tipo de andorinhão do gênero Aerodramus (anteriormente, Collocalia), são as únicas aves conhecidas que também podem ecolocalizar e voar na escuridão absoluta. Porém o sistema desses pássaros não é tão sofisticado quanto o do morcego e golfinho, além de servir somente para orientação ao voo.

Ecolocalização artificial[editar | editar código-fonte]

A ecolocalização também é chamada de "biossonar", pois foi a partir do estudo dessa capacidade natural que os seres humanos desenvolveram a "ecolocalização artificial", de grande importância na aeronáutica, navegação e medicina, como o radar, o sonar e os aparelhos de ultrassonografia.

O radar é encontrado em aviões e aeroportos e utiliza ondas eletromagnéticas.

O sonar, presente em navios e submarinos, faz uso de ondas ultrassônicas para orientação da navegação.

A ultrassonografia contribui como auxílio no diagnóstico médico e veterinário, sendo sua aplicação mais ampla em seres humanos, particularmente durante a gravidez.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Coelho, Franscisco (2012). «Metaheurística inspirada na ecolocalização de morcegos: aperfeiçoamento e estudo de casos» (PDF). simpósio brasileiro de pesquisa operacional. Consultado em 10 de Agosto de 2017 
  2. Kalko EKV, Condon MA. 1998. Echolocation, olfaction and fruit display: how bats find fruit of flagellichorous cucurbits. Functional Ecology 12:364-372.
  3. Simon R, Holderied MW, Koch CU, von Helversen O. 2011. Floral Acoustics: Conspicuous Echoes of a Dish-Shaped Leaf Attract Bat Pollinators. Science 333(6042):631-633.
  4. Knornschild M, Helversen O. 2008. Nonmutual vocal mother-pup recognition in the greater sac-winged bat. Animal Behaviour 76(3):1001-1009.
  5. Jacobina, Ana Maria (2000). «Os cetáceos» (PDF). Centro Universitário de Brasília. Consultado em 10 de Agosto de 2017 
  6. Faria, Suzana (26 de Abril de 2011). «Biofísica da fonação» (PDF). Sérgio Pilling. Consultado em 10 de Agosto de 2017