Exaptação – Wikipédia, a enciclopédia livre

Exaptação é uma adaptação biológica que não evoluiu dirigida principalmente por pressões seletivas relacionadas à sua função atual. Em vez disso evoluiu por pressões seletivas diferentes relacionadas a uma adaptação para outras funções, até que eventualmente chegou a um estado ou construção em que veio a ser utilizada para uma nova função.

A origem do termo "exaptação" é atribuída ao paleontólogo Stephen Jay Gould e a paleoantropóloga Elizabeth Vrba, em "Exaptation - a missing term in the science of form," Paleobiology 8 (1982): 4-15 - uma explicação de como estruturas complexas podem evoluir de estruturas mais simples.

Várias características físicas têm sido atribuídas como exaptações. Por exemplo, os ossos dos vertebrados, que aparecem bem cedo na evolução de nossos ancestrais aquáticos, podem ter originariamente tido a função de armadura protetora ou como método de armazenamento de fosfato de cálcio, e apenas mais tarde terem funcionado como alavancas para os músculos e suporte esquelético. Os olhos complexos parecem ter evoluído originariamente como estruturas mais simples de orientação luminosa, em formato de concha ou de cuia, gradualmente fechando-se em formato de câmera. Quando essa estrutura fecha-se em câmera, automaticamente projeta numa superfície fotossensível preexistente, que então pode começar a ser explorada como uma forma de orientação espacial muito mais avançada, através da evolução gradual da coordenação entre olho e cérebro. Curiosamente, algumas espécies de cnidários tem estruturas que são muito similares aos olhos em câmera dos vertebrados, mas que no entanto só podem ser utilizadas como uma adaptação para orientação bem mais simples, já que esses seres não têm cérebros complexos onde possam processar as imagens.

O termo "exaptação" popularizou-se e vem sendo usado como verbo: "uma estrutura previamente existente pode ser exaptada para uma nova função".

Adaptação versus Exaptação[editar | editar código-fonte]

O termo adaptação tem dois signifcados na biologia evolutiva. O primeiro trata-se do processo no qual a seleção natural modifica o fenótipo e gera características que facilitam a propagação dos genes. O segundo refere-se as características construídas por um processo de modificação fenotípica, para propagação de um gene em particular. Em 1982, Vrba e Gould propuseram que o termo adaptação deveria ser utilizado, como sugerido por Darwin, somente para características, construídas pela seleção natural, que desempenham hoje a mesma função para a qual foram construídas.[1]. Dessa forma, criou-se o termo exaptação para definir as “adaptações” de utilidade atual. Portanto, as características preexistentes que adquirem novas aptidões sem haver mudança, por seleção natural, no fenótipo são chamadas exaptações.[2]. Uma característica inicialmente exaptada pode passar por um processo de modificação estrutural adaptativa subsequente, para melhorar o efeito benéfico gerado pela exaptação principal. Essas modificações estruturais secundárias são adaptações secundárias. Assim, as exaptações primárias e as adaptações secundárias podem ser diferentes.[1]

Gênese da Exaptação[editar | editar código-fonte]

Archilochus

Uma característica pode torna-se uma exaptação em duas formas distintas. Na primeira situação, a característica inicial evolui como uma adaptação para um determinado efeito, e, em seguida, torna-se exaptada para outro efeito.[1] Por exemplo, as penas evoluíram inicialmente, nos dinossauros, pelas suas propriedades de isolamento térmico. Mais tarde adquiriram propriedades ornamentais, com uma vasta variação de pigmentação, e no Cretácio Superior apresentavam características para mergulho subaquático e para o voo.[3]. No entanto, algumas penas dos pássaros, como as penas das asas e da cauda, foram modificadas especificamente para o voo, e assim representam uma adaptação secundária para o voo. Outros pássaros não apresentam modificações específicas para o voo. As penas que cobrem toda a superfície corpórea, exceto as asas e a cauda, são chamadas penas de contorno. Próximo da pele, essas penas apresentam uma plumagem macia e farpas que facilitam a retenção do ar aquecido pelo corpo, mantendo-o próximo da pele. Na extremidade distal das penas, as farpas formam uma superfície plana e coesa que contribui tanto para o isolamento térmico como para a facilitação do voo. A ausência de penas de contorno implica modificações por seleção especificamente para facilitar o voo.

Assim, podem ser exaptações específicas para o voo, ou podem ser adaptações para o isolamento térmico. Outro cenário que requer a ocorrência de uma exaptação como um subproduto da seleção para uma outra característica. Os mecanismos utilizados são a Pleiotropia e o desequilíbrio de ligação. O subproduto evoluiu não por ser seletivamente vantajoso, mas por estar indissociavelmente ligado a outra característica reprodutivamente vantajosa. Essas características vantajosas podem torna-se exaptadas para novos usos benéficos. Algumas espécies de caramujos, por exemplo, possuem um espaço na sua concha utilizado para deposição de ovos. Mesmo os caramujos que não utilizam o espaço, possuem o espaço. Provavelmente o espaço é um produto da seleção, que ocorreu no desenvolvimento dos caramujos. Sendo assim, os caramujos que utilizam o espaço para deposição de ovos, evoluíram depois da não utilização desse espaço pelos caramujos. Assim, esse espaço é uma exaptação para chocar ovos, que inicialmente era qualificado como um tímpano.[2] As exaptações não são processos de simples coincidência, podem ser geradas por processos sistemáticos. Uma forma dos animais moverem-se, com eficiência, em novos nichos é através da exaptação de estruturas já existentes, “colocar os recursos antigos para novos usos”. Neste ponto de vista, as aves foram capazes de se mover em um novo mundo (o aéreo), por que possuíam estruturas que poderiam ser exaptadas para voar, e mais tardiamente adaptadas.

Exaptação e Genômica[editar | editar código-fonte]

A variabilidade genética é gerada em parte por sequências genéticas móveis. Essas sequências móveis são chamadas de elementos de transposição (ET). Os ET são amplamente distribuídos e têm sido encontradas em genomas eucarióticos importantes. Dessa forma, os ET têm grande importância sobre a evolução de seus genomas hospedeiros, como também a estrutura e função dos mesmos. Os ET podem gerar inserções deletérias no genoma hospedeiro. Assim sendo, os genomas hospedeiros evoluíram vários mecanismos de proteção contra os efeitos deletérios dos ET.

A hipótese da defesa genômica, ou seja, a evolução de sistemas regulatórios epigenéticos como um mecanismo para reprimir os ET, prediz que: primeiro, os ET mais ativos, são os maiores responsáveis pelas mudanças epigenéticas; segundo, os ET suportam, principalmente, modificações repressivas ao invés de modificações ativas associadas a expressão gênica.[4]. A “hipótese exaptação” é uma alternativa à hipótese de defesa genômica. É sabido que, no caso dos ET, elementos anteriormente egoístas ou sequências parasitárias foram exaptados para fornecer uma sequência reguladora ou codificadora, que servem para aumentar a aptidão do hospedeiro. Por exemplo, ET podem regular genes hospedeiros, servindo como alvo de modificações epigenéticas. As sequências de ET que foram exaptados são altamente conservadas devido à ação da seleção natural após adquirirem uma função no genoma hospedeiro. Em consequência, os ET exaptados tendem a ser mais antigos que os ET de todo o genoma.[4]

De acordo com o modelo de exaptação dos ET, acredita-se que: primeiro, ET mais antigos e mais conservados suportam melhor marcas epigenéticas; segundo, modificações ativas e repressivas de histonas serão orientadas para os ET.[4]

O elemento móvel mais abundante no genoma humano é o elemento Alu. Considerado como “DNA lixo”, os elementos Alu demonstraram, em estudos recentes, exercer uma participação em uma série de funções celulares.[5]. Já é clara a participação desses elementos na estabilidade do RNA mensageiro (mRNA), por possuírem fatores de transcrição com sítios de ligação que regulam a expressão gênica. Como exercem funções para as quais não foram inicialmente designados, os elementos Alu juntamente com muitos outros elementos móveis do genoma humano foram exaptados. Dessa forma, sugeriu-se que os elementos móveis são uma fonte de diversidade funcional e executam um importante papel na evolução.

A função de sítio de poliadenilação (PAS) do elemento Alu também pode ser caracterizada como uma exaptação.

Um estudo realizado por Gombart ET al fornece evidências de que a exaptação de um elemento Alu (AluSx SINE) fornece uma nova resposta imune, biologicamente importante, através da via da vitamina D. Essa via é evolutivamente conservada em humanos e nos demais primatas, porém é ausente em outros mamíferos.[6].

Alterações na regulação da expressão gênica por estes elementos, podem desempenhar um importante papel na evolução das respostas humanas e primatas para doenças infecciosas específicas.

O Projeto Genoma Humano revelou que 44% do genoma humano é composto por elementos móveis transponíveis, significando grandes possibilidades de gerar exaptações e promover evolução.

Referências

  1. a b c GOULD, S. J., VRBA, E. Exaptation-A Missing Term in the Science of Form. Paleobiology Vol. 8, No. 1 (Winter, 1982), pp.4-15.
  2. a b ANDREWS, P. W., GANGESTAD, S. W., MATTHEWS, D. Adaptationism – how to carry out an exaptationist program1. Behavioral and brain sciences (2002) 25, 489–553.
  3. MCKELLAR, R. C., CHATTERTON, B. D. E., WOLFE, A. P., CURRIE, P. J. A Diverse Assemblage of Late Cretaceous Dinosaur and Bird Feathers from Canadian Amber. Science, vol. 333, PP. 1619-1622
  4. a b c HUDA, A., RAMIREZ, L. M., JORDAN, K. Epigenetic histone modifications of human transposable elements: genome defense versus exaptation. Mobile DNA 2010, 1:2
  5. CHEN, C., ARA, T., GAUTHERET, D. Using Alu Elements as Polyadenylation Sites: A Case of Retroposon Exaptation. Mol. Biol. Evol. 26(2):327–334. 2009
  6. GOMBART, A. F., SAITO, T.,KOEFFLER, H. P. Exaptation of an ancient Alu short interspersed element provides ahighly conserved vitamin D-mediated innate immune response in humans and primates. BMC Genomics 2009, 10:321 doi:10.1186/1471-2164-10-321

Ver também[editar | editar código-fonte]

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