Georg Wilhelm Friedrich Hegel – Wikipédia, a enciclopédia livre

Georg Wilhelm Friedrich Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel porträtterad av Jakob Schlesinger 1831
Nascimento 27 de agosto de 1770
Estugarda (Sacro Império Romano-Germânico)
Morte 14 de novembro de 1831 (61 anos)
Berlim (Confederação Germânica)
Sepultamento Dorotheenstädtischer Friedhof
Cidadania Reino de Württemberg
Progenitores
  • Georg Ludwig Hegel
  • Maria Magdalena Louisa Hegel
Cônjuge Marie von Tucher
Filho(a)(s) Karl von Hegel
Alma mater
Ocupação filósofo, professor universitário, historiador da filosofia, escritor, Jusfilósofo, lógico
Prêmios
  • Ordem da ÁguiaVermelha 3.ª Classe (1831)
Empregador(a) Universidade de Jena, Universidade de Frederico-Guilherme, Universidade de Heidelberg, Universidade Humboldt de Berlim
Obras destacadas Lições sobre a filosofia da história, Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio, A Ciência da Lógica, Fenomenologia do Espírito, Princípios da Filosofia do Direito, Lições sobre estética, Lições sobre a filosofia da religião, Lições sobre a história da filosofia
Movimento estético Idealismo alemão, historicismo, hegelianismo
Causa da morte cólera
Assinatura

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Estugarda, 27 de agosto de 1770Berlim, 14 de novembro de 1831) foi um filósofo germânico. Sua obra Fenomenologia do Espírito é tida como um marco na filosofia mundial e na filosofia alemã. Hegel pode ser incluído naquilo que se chamou de Idealismo Alemão, uma espécie de movimento filosófico marcado por intensas discussões filosóficas entre pensadores de cultura alemã do final do século XVIII e início do XIX. Essas discussões tiveram por base a publicação da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. Hegel, ainda no seminário de Tübingen, escreveu, juntamente com dois renomados colegas, os filósofos Friedrich Schelling e Friedrich Hölderlin, o que chamaram de "O Mais Antigo Programa de Sistema do Idealismo Alemão". Posteriormente desenvolveu um sistema filosófico que denominou "Idealismo Absoluto", uma filosofia capaz de compreender discursivamente o absoluto (de atingir um saber do absoluto, saber cuja possibilidade fora, de modo geral, negada pela crítica de Kant à metafísica dogmática). Apesar de ser notavelmente crítica em relação ao Iluminismo, a filosofia hegeliana é tida por muitos como, para usar a expressão de Habermas, a "filosofia da modernidade por excelência".[1]

Hegel influenciou um grande número de autores (Strauss, Bauer, Feuerbach, Stirner, Marx, Dilthey, Bradley, Dewey, Kojève, Hyppolite, Hans Küng, Fukuyama, Žižek). Era fascinado pelas obras de Spinoza, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa. Muitos consideram que Hegel representa o ápice do Idealismo Alemão.

Hegel descreve sua concepção filosófica, no prefácio a uma de suas mais célebres obras, a Fenomenologia do Espírito, da seguinte forma: "Segundo minha concepção – que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema –, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediates do saber mesmo, mas também aquela imediates que é o ser, ou a imediates para o saber. [...] A substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou – o que significa o mesmo – que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim.".[2]

Vida[editar | editar código-fonte]

O local de nascimento de Hegel, em Stuttgart, que agora abriga o Museu de Hegel.

Infância e família[editar | editar código-fonte]

Nascido em 27 de agosto de 1770, Hegel foi o primeiro filho de Georg Ludwig Hegel, um secretário protestante da repartição de receitas do Ducado de Württemberg sob Carlos Eugênio, com Maria Magdalena Louisa Hegel.[3] Nesse mesmo ano, os estados protestantes do Ducado de Württemberg haviam alcançado uma resolução constitucional da disputa acerca dos direitos tradicionais de suas populações e as respectivas funções dos vários ramos institucionais do governo, que havia sido apresentada no tribunal do Sacro Império Romano-Germânico tardio e sucedeu em forçar o reconhecimento de sua relativa autonomia por parte do duque católico de inclinação absolutista. Essa consolidação legal permeou o clima cultural e político da região nos anos posteriores, sendo considerada uma vitória do povo protestante dentro de um sistema único em sua mistura de características feudais e modernas.[3] Outra característica de Württemberg durante a infância e juventude de Wilhelm era a prevalência de um estrutura comunitária, que permeava aspectos sociais e informais da vida dos indivíduos, inspirando-lhes um forte senso de pertencimento e dever, enquanto que funcionava também como elemento jurídico de manutenção de direitos tradicionais, algo que o filósofo descreveria mais tarde como um tipo de 'segunda família'.[4] A continuidade dessas formas de vida seriam mais tarde ameaçadas pelas tendências modernizantes influenciadas pela Revolução Francesa.[5]

A família de Hegel pertencia a uma linhagem moderadamente próspera de cidadãos do ducado. Sua pai havia estudado direito na Universidade de Tubinga, e descendia de imigrantes austríacos protestantes do século XVI, cujo ancestral Johannes Hegel decidiu sair da Áustria em razão da pressão de converção ao catolicismo praticada pelo governo de então, para manter a religiosidade luterana. Várias gerações seguintes ocuparam funções de pastores Württemberg. Sua mãe era filha de um advogado da alta corte de Württemberg, cuja família possuia uma longa tradição em Stuttgart.[6] Além de Hegel, o casal teve outros cinco filhos, dos quais apenas dois sobreviveram até à vida adulta, sua irmã Christiane Luise e seu irmão Georg Ludwig, dado a alta taxa de mortalidade por doenças como a varíola, alguma das quais o filósofo contraiu na juventude e lhe causaram prolongados efeitos na saúde. Sua mãe morreu quando tinha onze anos, em 1781, em razão de uma febre denominada 'biliosa' na época, que causou muitas mortes na região e ameaçou o próprio Hegel. A morte da mãe afetou a personalidade do filósofo, que passou à demonstrar sinais de dificuldade na fala.[6]

A educação era muito valorizada na família de Hegel, que o inscreveu na chamada Escola Alemã aos três anos de idade, passando pela Escola Latina aos cinco, onde entrou já com algum domínio da língua, em razão das lições dadas por sua mãe, cuja erudição era rara entre as mulheres da época. Ela foi, presumivelmente, uma inspiração para a personalidade de Hegel e sua dedicação ao estudo. Além disso, o filósofo teve aulas privadas de geometria aos dez anos, por um tutor contratado por seu pai, um matemático local relativamente notório chamado K. A. F. Duttenhofer. A família assinava também uma importante revista do Iluminismo alemão, o Allgemeine deutsche Bibliothek, onde apareceram algumas das primeiras discussões sobre a filosofia de Immanuel Kant, o que demonstra o alto nível de contato com as correntes culturais que existia em sua casa.[7] Posteriormente teria mais tutores arranjados Ludwig Hegel, através dos quais provavelmente aprendeu francês. Biógrafos especulam que, durante esse período após a morte de Maria Magdalena, prevaleceu um sentimento de alienação no núcleo familiar, especialmente sentida por Wilhelm, evidência disso é a dedicação que teve aos estudos, sendo um ávido leitor e um aluno de alto desempenho, como também, como também um frequentador da biblioteca pública do ducado, não muito distante de sua casa, onde passava a totalidade das quartas feiras e dos dias de sábado.[7] Todos esses elementos formam uma imagem de uma família ligada às correntes do Iluminismo alemão ao mesmo tempo que se situava nas tradições culturais e políticas de Württemberg, ainda que deslocada do catolicismo da nobreza, próxima, mesmo sem pertencer, de membros do Ehrbarkeit, um círculo social de uma elite sem títulos de nobreza que formava os quadros do adminstrativos e intelectuais do ducado. Em suma, uma família cujo status social se sustentava mais em sua formação e capacidade do que em conexões familiares.[5]

Estudos[editar | editar código-fonte]

Em 1784, Ludwig decidiu inscrever Wilhelm no Gymnasium Illustre de Stuttgart, uma escola relativamente precária, onde, não obstante, existia uma moderada presença do pensamento iluminista ao lado de uma tradição do humanismo protestante. A passagem por essa escola divergia da trajetória preferida pelos estudantes conduzido à seguir uma formação em teologia, como era provavelmente o caso de Hegel, dado que tendiam à ser enviados para escolas de mosteiros. Ainda assim, a Universidade de Tubinga reservava uma quantidade menor de vagas para egressos do Gymnasium Illustre, o que conciliava o interesse por uma educação iluminista com a formação teológica.[8] A opção pelo ginásio permitiu que Wilhelm permanecesse vivendo jundo da família, ao mesmo tempo que cultivava uma extensiva educação humanística - como nos clássicos, línguas antigas e modernas, matemática e ciências.[9]

Os diários do filósofo nesse período revelam uma dedicação acima de tudo ao estudo, com transcrições de passagens de sua leituras e exposições sobre as ideias que encontrava e entretinha. Temas da vida sentimental são significativamente reduzidos nesses diários, revelando por um lado a vivência de sua juventudo, como a auto-imagem que cultivava. Mais tarde, na Universidade de Tubinga, seria apelidado pelos amigos de 'o homem velho'. Ainda assim, sua irmã deixou registros afirmando que Hegel possuia muitos amigos, apesar de ter pouca 'agilidade corporal' na ginástica, que por outro lado gostava de praticar. Além disso, era 'desajeitado' na dança.[10] Suas leituras atestadas nesse período incluiam livros de história mundial, autores da época como Friedrich Gottlieb Klopstock, livros do relevante 'filósofo popular' Christian Garve, e de figuras do iluminismo - curiosamente, Hegel transcrevia diversas passagens onde esses autores elaboravam definições de 'iluminismo'. Além disso, demonstrava alguma familiaridade com o pensamento de Rousseau, possivelmente através das obras de J. G. Feder, como também do jurista de Württemberg Johann Jakob Moser e, timidamente, da filosofia de Immanuel Kant.[11] Um aspecto importante desse período, com uma influência permanente na vida de Hegel, foi sua amizade com Jacob Friedrich von Abel, que foi uma espécie de mentor do jovem estudante. Abel era um filósofo relativamente notório, amigo de Schiller e um participante do debate em torno da filosofia de Kant, contra a qual tomou uma atitude crítica, e de defesa da metafísica racionalista tradicional, especialmente de seus elementos religiosos.[11] Outro autor igualmente influente nesse período foi Gotthold Ephraim Les­sing, cuja concepção de iluminismo enquanto cosmopolitismo e tolerância cultural e religiosa, implantada nos personagens de suas peças, serviria de paradigma para Hegel da personalidade iluminista.[12]

Período em Berne, e Frankfurt[editar | editar código-fonte]

Período em Jena[editar | editar código-fonte]

Falecimento[editar | editar código-fonte]

Hegel faleceu em 14 de novembro de 1831. Encontra-se sepultado em Dorotheenstädtischer and Friedrichswerder Cemetery, Berlim na Alemanha.

Pensamento[editar | editar código-fonte]

As obras de Hegel têm fama de difíceis graças à amplitude dos temas que pretendem abarcar. Hegel introduziu um sistema para entender a história da filosofia e o próprio mundo, chamado amiúde de "dialética": uma progressão na qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. Por exemplo, a Revolução Francesa constitui, para Hegel, pela primeira vez na história, a introdução da verdadeira liberdade nas sociedades ocidentais.

Entretanto, precisamente por sua novidade absoluta, é também absolutamente radical: por um lado, o aumento abrupto da violência – que fez falta para realizar a revolução – não pode deixar de ser o que é; e, por outro lado, já consumiu seu oponente. A revolução, por conseguinte, já não tem mais para onde volver-se além de seu próprio resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal Reinado de Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com seus próprios erros: somente depois desta experiência, e precisamente por ela, pode se postular a existência de um Estado constitucional de cidadãos livres, que consagra tanto o poder organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade. "A liberdade reside no pensamento".

Nas explicações contemporâneas do hegelianismo – para as classes pré-universitárias, por exemplo –, a dialética de Hegel frequentemente aparece fragmentada, por comodidade, em três momentos, chamados: tese (em nosso exemplo, a revolução), antítese (o terror subsequente) e síntese (o estado constitucional de cidadãos livres). Contudo, Hegel não empregou pessoalmente esta classificação em absoluto; na verdade, ela foi criada anteriormente, por Fichte, em sua explicação mais ou menos análoga da relação entre o indivíduo e o mundo. Os estudiosos sérios de Hegel não reconhecem, genericamente, a validez desta classificação, conquanto provavelmente tenha algum valor pedagógico (vide: Tríade dialética).

O historicismo cresceu significativamente durante a filosofia de Hegel. Da mesma maneira que outros expoentes do historicismo, considerava que o estudo da História era o método adequado para abordar o estudo da ciência da sociedade, já que revelaria algumas tendências do desenvolvimento histórico. Em sua filosofia, a história não somente oferece a chave para a compreensão da sociedade e das mudanças sociais, como também é considerada tribunal de justiça do mundo.

A filosofia de Hegel afirmava que tudo o que é real, é também racional; e, por corolário, tudo o que é racional, é real. O fim da história era, para Hegel, a parusia do espírito; e o desenvolvimento histórico podia ser equiparado ao desenvolvimento de um organismo (os componentes têm funções definidas, sendo que enquanto trabalham, afetam o restante). Hegel acredita em uma norma divina, fulcrada no princípio de que em tudo se encontra a volição de Deus, a qual é conduzir o homem para a liberdade; porquanto é panteísta. Justifica, então, a desgraça histórica: todo o sangue e a dor, a pobreza e as guerras, constituem "o preço" necessário a ser pago para alcançar a liberdade da humanidade.

Hegel valeu-se deste sistema para explicar toda a história da filosofia, da ciência, da arte, da política e da religião; no entanto, muitos críticos modernos assinalam que Hegel constantemente parece ignorar as realidades da história a fim de fazê-las encaixar em seu molde dialético. Seu pressuposto histórico de que o pensamento dos povos orientais era necessariamente imperfeito e pré-filosófico o levou a negar a existência de uma verdadeira filosofia, na Índia.[13]

Karl Popper, crítico de Hegel em A sociedade aberta e seus inimigos, opina que o sistema de Hegel constitui uma justificação vagamente dissimulada do governo de Frederico Guillermo III e da ideia hegeliana de que o objetivo ulterior da história é chegar a um Estado que se aproxima ao da Prússia do decênio de 1831. Esta visão de Hegel como apólogo do poder estatal e precursor do totalitarismo do século XX foi criticada minuciosamente por Herbert Marcuse em Razão e revolução: Hegel e o surgimento da teoria social, arguindo que Hegel não foi apólogo nem do Estado nem da forma de autoridade, simplesmente porque estes existiram; para Hegel, o Estado deve ser sempre racional. Arthur Schopenhauer desprezou Hegel por seu historicismo e tachou sua obra de pseudofilosofia.

A filosofia da história de Hegel está também marcada pelos conceitos da "astúcia da razão" e do "escárnio da história". A história conduz os homens que creem se conduzir de per si, como indivíduos e como sociedades, castigando suas pretensões, de modo que a história-mundo, ao fazer troça deles, produz resultados exatamente contrários e paradoxais aos pretendidos por seus autores, a despeito de, nos períodos finais, a história se reordenar e, em um cacho fantástico, retroceder sobre si mesma e, com sua gozação sarcástica e paradoxal convertida em mecanismo de criptografia, cria também ela mesma, sem querer, realidades e símbolos ocultos ao mundo e acessíveis tão-somente aos cognoscentes, id est, àqueles que querem conhecer.

Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, da dedução de toda a realidade a partir do conceito, da identidade que não concebe espaço para o contingente, para a diferença; filósofo do estado prussiano, que hipostasiou o Estado - todas essas são algumas das recepções da filosofia de Hegel na contemporaneidade. É difícil dizer até que ponto essas qualificações são justas para com a filosofia hegeliana.

Ademais, as obras de Hegel possuem a fama de serem difíceis, devido à amplitude dos temas que pretendem abarcar. Diz a anedota (possivelmente verdadeira) que, quando saiu a tradução francesa da Fenomenologia do Espírito, muitos estudiosos alemães foram tentar estudar a Fenomenologia pela tradução francesa, para "ver se entendiam melhor" o árido texto hegeliano.(A) O fato é que sua filosofia é realmente difícil, embora isso não se deva necessariamente a uma confusão na escrita. Afinal, Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o objeto. Introduziu um sistema para compreender a história da filosofia e do mundo mesmo, chamado geralmente dialética: uma progressão na qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior.

Gonçal Mayos examina a evolução da dialética da periodização da história:[14] Hegel mudou o seu ideal grego juvenil e, gradualmente, vê a realização do princípio da reconciliação não mais na Revolução francesa, mas na Reforma protestante. A Revolução Francesa, precisamente por sua novidade absoluta, é também absolutamente radical: por um lado, o aumento abrupto da violência que fez falta para realizar a revolução, não pode deixar de ser o que é, e, por outro lado, já consumiu seu oponente. A revolução, por conseguinte, já não pode voltar-se para nada além de seu resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal Reinado do Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com seus erros: somente depois desta experiência, e precisamente por causa dela, pode-se postular a existência de um Estado constitucional de cidadãos livres, que consagra tanto o poder organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da liberdade e da igualdade.

Segundo Umberto Padovani e Luis Castagnola, em "A história da Filosofia":

"A Lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (principio da identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto."

De todo modo, a dialética é uma das muitas partes do sistema hegeliano que foi objeto de má compreensão ao longo do tempo. Possivelmente, uma das razões para isto é que, para Hegel, é preciso abandonar a ideia de que a contradição produz um objeto vazio de conteúdo. Ou seja, Hegel dá dignidade ontológica à contradição, bem como ao negativo. Por outro lado, Hegel não queria com isso dizer que absurdos como, por exemplo, pensar que um quadrado redondo fosse possível ou que um som fosse cheiroso. Talvez um melhor exemplo da dignidade ontológica da contradição é pensarmos nos conceitos aristotélicos de potência e ato (um ser que é ao mesmo tempo potência e ato) ou então na concepção dos objetos como unos e múltiplos ao mesmo tempo.

Nas explicações contemporâneas do hegelianismo - para os estudantes universitários, por exemplo - a dialética de Hegel geralmente aparece fragmentada, por comodismo, em três momentos chamados: tese (em nosso exemplo, a revolução), antítese (o terror subsequente) e a síntese (o estado constitucional de cidadãos livres). No entanto, Hegel não empregou pessoalmente essa classificação absolutamente; ela foi criada anteriormente por Fichte em sua explicação mais ou menos análoga à relação entre o indivíduo e o mundo. Os estudiosos sérios de Hegel não reconhecem, em geral, a validade desta classificação, ainda que possivelmente tenha algum valor pedagógico.

Hegel utilizou-se deste sistema para explicar toda a história da filosofia, da ciência, da arte, da política e da religião, mas muitos críticos modernos assinalam que Hegel geralmente parece analisar superficialmente as realidades da história a fim de encaixá-las em seu modelo dialético. Karl Popper, crítico de Hegel em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, opina que o sistema de Hegel constitui uma justificação velada do governo de Frederico Guilherme III e da ideia de que o objetivo ulterior da história é chegar a um Estado semelhante à Prússia dos anos 1830. Esta visão de Hegel como apologista do poder estatal e precursor do totalitarismo do século XX foi criticada minuciosamente por Herbert Marcuse em Razão e Revolução: Hegel e o surgimento da teoria social. Segundo Marcuse, Hegel não fez apologia a nenhum Estado ou forma de autoridade, simplesmente porque existia: para Hegel, o Estado tem que ser sempre racional. Já Arthur Schopenhauer desprezou Hegel por seu historicismo e tachou a obra de Hegel de pseudo-filosofia.

Como se vê, a obra hegeliana é fonte de inúmeras controvérsias, mas, sem dúvida, a filosofia, na maior parte dos casos, não deixa de se referir a Hegel - mesmo quando é anti-hegeliana. Por outro lado, várias vertentes filosóficas inserem-se no legado hegeliano - embora em geral não se auto intitulem hegelianas - a exemplo do Pragmatismo, da Escola de Frankfurt e do Marxismo.

Processo Triádico da Dialética[editar | editar código-fonte]

O Processo Triádico da Dialética, por meio do qual ocorreria a evolução do conhecimento e da realidade, é composto por três elementos: "tese, antítese e síntese". A tese é situação fática primária, com suas características propícias para germinar a contradição/questionamento, ou seja, a antítese. Do choque entre tese e antítese, surgiria a síntese, que, por sua vez, seria tese para um novo processo evolutivo. Tal processo dialético triádico seria aplicável em todos os setores da realidade humana.[15]

Crítico do contrato social[editar | editar código-fonte]

Antes de Hegel, outros pensadores já tinha feito críticas ao contratualismo, como por exemplo: David Hume, George Bentham e Saint-Simon.

Suas críticas tem como de partida o fato de que o esse sistema de pensamento parte de premissa de que a existência do indivíduo seria anterior à existência da comunidade e, desse modo, o Estado teria sido construído a partir das vontades individuais.

Em contrapartida, retoma o pensamento aristotélico segundo o qual o homem é um ser social e que "o povo precede o indivíduo”, e, desse modo, sustenta que o individuo não existe de modo independente do espírito universal, mas seria uma manifestação singular de tal espírito.[15]

As três formas do espírito[editar | editar código-fonte]

O espírito se manifesta de três formas:

  1. o espírito subjetivo refere-se à alma, à consciência e à razão;
  2. o espírito objetivo refere-se ao direito, à moralidade e ao costume;
  3. o espírito absoluto refere-se à Arte, à Religião e à Filosofia, sendo, portanto, uma síntese do espírito subjetivo e do espírito objetivo.[15]

Formação da Filosofia[editar | editar código-fonte]

A filosofia é resultado das tensões entre espírito e matéria, alma e corpo, fé e entendimento, liberdade e necessidade, e posteriormente, razão e sensibilidade, inteligência e natureza e, de modo geral, entre subjetividade e objetividade.[15]

Temas[editar | editar código-fonte]

Filosofia social e política[editar | editar código-fonte]

A dimensão social e política do pensamento hegeliano tem mantido um nível de relevância no debate filosófico contemporâneo relativamente independente da recepção de sua metafísica, com alguns comentadores e filósofos aspirando até mesmo desassociá-la dessa metafísica, com resultados disputados. Alguns acadêmicos enfatizam a indissociabilidade dos diversos aspectos da filosofia de Hegel em relação a metafísica,[16] enquanto que a leitura não-metafísica da filosofia política de Hegel goza da autonomia prevista de cada assunto no sistema hegeliano, que deve desenvolver-se através de sua lógica imanente, e de uma relativa capacidade de compreender essas obras políticas independentemente do repertório metafísico, baseando-se frequentemente nas leituras e observações perspicazes que o filósofo realiza da história política e seu contexto contemporâneo.[17] Para alguns intérpretes, como Frederick Beiser, Hegel divergiu desde cedo das esforços prévios no direito de elaborar um sistema de lei natural sem fundamentação metafísica, localizando justamente nessa carência a razão do insucesso teórico, e afirmando, consequentemente, a vinculação inescapável da metafísica com todas as demais ciências,[16] nesse sentido, a conexão da política com a problemática metafísica é exigida para a compreensão integral desse eixo temático.

Filosofia da religião[editar | editar código-fonte]

A religião constituiu o interesse mais duradouro e profundo no desenvolvimento do pensamento de Hegel, à qual dedicou sua atenção desde os estudos teológicos na Tubinga. Entretanto, apenas a partir de 1821, ocupando uma posição na Universidade de Berlin, passa a oferecer cursos sobre filosofia da religião, que se repetiram em anos seguintes,[18] e dos quais sobrevive um manuscrito e transcrições de estudantes.[19] Hegel considerava a filosofia da religião uma disciplina interessada não apenas no fenômeno da religião, mas também na natureza de seu objeto, Deus.[18] Para abordar esse objeto, busca elaborar uma teologia filosófica pós-crítica e consistente com sua filosofia sistemática.

Na introdução de seu cursos, Hegel afirmou que a filosofia da religião possuia o mesmo propósito da teologia natural da escolástica, isto é, o conhecimento racional de Deus independente da revelação positiva, ainda que afirme mais à frente que não existe uma contradição de princípio entre razão e revelação. Ambos tem como objeto o "supremo" ou "absoluto" que existe por si mesmo, radicalmente livre e incondicionado.[20] Tratando simultaneamente de Deus e do fenômeno religioso, Hegel pretende evitar uma concepção abstrata do primeiro, manifesta exemplarmente na filosofia iluminista. Deus enquanto espírito deve ser compreendido em sua presença na fé e nas comunidades religiosas, entendendo ambos como conceitos relacionais.[20]

Posterioridade[editar | editar código-fonte]

Seguidores[editar | editar código-fonte]

Após a morte de Hegel seus seguidores dividiram-se em dois campos principais e contrários. Os hegelianos de direita, discípulos diretos do filósofo na Universidade de Berlim, defenderam a ortodoxia evangélica e o conservadorismo político do período posterior à restauração napoleônica.

Os hegelianos de esquerda, chamados jovens Hegelianos, interpretaram Hegel em um sentido revolucionário, o que os levou a se aterem ao ateísmo na religião e ao socialismo na política. Entre os hegelianos de esquerda encontra-se Ludwig Feuerbach, David Friedrich Strauss, Max Stirner e, o mais famoso, Karl Marx. Os múltiplos cismas nesta facção levaram, finalmente, ao individualismo egoísta de Stirner e à versão marxiana do comunismo.

No século XX a filosofia de Hegel experimentou um grande renascimento: tal fato deveu-se em parte por ter sido descoberto e reavaliado como progenitor filosófico do marxismo por marxistas de orientação filosófica, em parte devido a um ressurgimento da perspectiva histórica que Hegel colocou em tudo, e em parte ao crescente reconhecimento da importância de seu método dialético. Algumas figuras que relacionam-se com este renascimento são Georg Lukács, Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Ernst Bloch, Alexandre Kojève e Gotthard Günther. O renascimento de Hegel também colocou em relevo a importância de suas primeiras obras, ou seja, as publicadas antes da Fenomenologia do Espírito.

Mas não só os teóricos da escola de Frankfurt viram um renascimento da filosofia hegeliana, como também muitos filosófos na França, em geral após o curso hoje famoso de Kojève. Dentre estes, podemos citar Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Lacan, Hippolyte entre outros.

Do mesmo modo, os teóricos pragmatistas como Robert Brandon, aproveitaram os aspectos comunitaristas da filosofia hegeliana. Na verdade, esta apropriação de Hegel pelos pragmatistas começou com os primeiros filósofos pragmatistas.

Obras[editar | editar código-fonte]

A primeira e a mais importante das obras maiores de Hegel é sua Fenomenologia do Espírito. Em vida, Hegel ainda viu publicada a Enciclopédia das Ciências Filosóficas, a Ciência da Lógica, e os Princípios (Elementos da) Filosofia do Direito. Várias outras obras sobre filosofia da história, religião, estética e história da filosofia foram compiladas a partir de anotações feitas por seus estudantes, tendo sido publicadas postumamente

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas[editar | editar código-fonte]

  • Nota (A): Até 1850 todos os escritores alemães tinham as suas obras publicadas em francês, pois até mesmo eles consideravam a língua bárbara, por conta de toda a influência napoleônica. Até o presente ano, a Alemanha não estava unificada e tudo o que existia eram vários dialetos de um futuro "alemão". Daí a tradução francesa.

Referências

  1. Habermas, J. (2000). Discurso Filosófico da Modernidade. [S.l.: s.n.] 
  2. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. (2002). Fenomenologia do Espírito. [S.l.: s.n.] ISBN 85-326-2769-2 
  3. a b Pinkard 2000, p. 2.
  4. Pinkard 2000, p. 6.
  5. a b Pinkard 2000, p. 7.
  6. a b Pinkard 2000, p. 3.
  7. a b Pinkard 2000, p. 5.
  8. Pinkard 2000, p. 8.
  9. Pinkard 2000, p. 9.
  10. Pinkard 2000, p. 10.
  11. a b Pinkard 2000, p. 13.
  12. Pinkard 2000, p. 15.
  13. MARTINS, Roberto de Andrade. A crítica de Hegel à filosofia da Índia. Textos SEAF (5): 58-116, 1983.
  14. A PERIODIZAÇÃO HEGELIANA DA HISTÓRIA: o vértice do conflito interno do pensamento hegeliano Arquivado em 21 de julho de 2011, no Wayback Machine., G. Mayos (traduzido por Marcelo Maciel Ramos).
  15. a b c d A visão hegeliana de estado e a primazia do direito internacional sobre o direito interno, acesso em 23/05/2021.
  16. a b Beiser 2005, pp. 195.
  17. Beiser 2005, pp. 196.
  18. a b Beiser 2008, pp. 230.
  19. Beiser 2008, pp. 231.
  20. a b Beiser 2008, pp. 233.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

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  • Gouin, Jean-Luc, 2000. Hegel ou de la Raison intégrale, suivi de : « Aimer Penser Mourir : Hegel, Nietzsche, Freud en miroirs », Montréal (Québec), Éditions Bellarmin, 225 p. ISBN 2-89007-883-3
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  • Kainz, Howard P., 1996. G. W. F. Hegel. Ohio University Press. ISBN 0-8214-1231-0.
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