Heteronormatividade – Wikipédia, a enciclopédia livre

Heteronormatividade (do grego hetero, "diferente", e norma, "esquadro" em latim) é um termo usado para descrever situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas. Isto inclui a ideia de que os seres humanos recaem em duas categorias distintas e complementares: macho e fêmea; que relações sexuais e maritais são normais somente entre pessoas de sexos diferentes; e que cada sexo tem certos papéis naturais na vida. Assim, sexo físico, identidade de gênero e papel social de gênero deveriam enquadrar qualquer pessoa dentro de normas integralmente masculinas ou femininas, e a heterossexualidade é considerada como sendo a única orientação sexual normal. As normas que este termo descreve ou critica podem ser abertas, encobertas ou implícitas. Aqueles que identificam e criticam a heteronormatividade dizem que ela distorce o discurso ao estigmatizar conceitos desviantes tanto de sexualidade quanto de gênero e tornam certos tipos de autoexpressão mais difíceis.

Origem do termo[editar | editar código-fonte]

O termo homofobia foi criado por Michael Warner em 1991,[1] em uma das primeiras grandes obras sobre a teoria queer. O conceito possui raízes na noção de Gayle Rubin do "sistema sexo/gênero" e na ideia de Adrienne Rich de heterossexualidade compulsória.[2] Numa série de artigos, Samuel A. Chambers tentou teorizar a heteronormatividade mais explicitamente, clamando por uma compreensão da heteronormatividade como um conceito que revela as expectativas, demandas e restrições produzidas quando a heterossexualidade é tomada como normativa dentro de uma sociedade.[3][4]

Cathy J. Cohen define a heteronormatividade como a prática e as instituições "que legitimam e privilegiam a heterossexualidade e relacionamentos heterossexuais como fundamentais e 'naturais' dentro da sociedade".[5] Sua obra enfatiza a importância da sexualidade envolvida em estruturas maiores de poder, intersectando com e inseparável de raça, gênero e opressão de classe. Ela assinala os exemplos de mães solteiras em auxílio-desemprego (particularmente mulheres negras) e trabalhadores do sexo, que podem ser heterossexuais, mas não são heteronormativos e assim não são percebidos como "normal, moral ou merecedores de ajuda do Estado" ou de legitimação.[6]

A heteronormatividade tem sido usada na exploração e crítica em norma social tradicionais de sexo, identidade de gênero, papel social de gênero e sexualidade, e das implicações sociais destas instituições. Ela é descritiva de um sistema dicotômico de categorização que vincula diretamente comportamento social e autoidentidade com a genitália do indivíduo. Isto significa (entre outras coisas) que, visto que existem conceitos estritamente definidos de virilidade e feminilidade, existem paralelamente comportamentos esperados tanto de homens quanto de mulheres.

Originalmente concebido para descrever as normas contra as quais os não heterossexuais lutam, o termo rapidamente incorporou-se tanto no debate de gênero quanto no de transgênero. Também é frequentemente usado em debates pós-modernistas e feministas. Aqueles que usam este conceito frequentemente apontam para as dificuldades enfrentadas pelos que mantém um ponto de vista dicotômico da sexualidade, pela presença de exceções claras—de freemartins (fêmeas estéreis) no mundo bovino a seres humanos intersexuais com características sexuais de ambos os sexos. Estas exceções são tomadas como evidências diretas de que nem o sexo nem o gênero são conceitos que possam ser reduzidos a uma proposição de ou-este/ou-aquele.

Numa sociedade heteronormativa, a escolha binária entre macho e fêmea para identidade de gênero é encarada como conduzindo a uma falta de escolha possível quanto ao papel de gênero e identidade sexual de alguém. Também, incluídas nas normas estabelecidas pela sociedade para ambos os gêneros está o requisito de que os indivíduos deveriam sentir e expressar desejo somente por parceiros do sexo oposto. Na obra de Eve Sedgwick, por exemplo, este emparelhamento heteronormativo é visto como definindo exclusivamente a orientação sexual de alguém em termos do sexo e gênero da pessoa que ela escolhe para fazer sexo, ignorando outras preferências que se possa ter relativas ao sexo.[7]

De acordo com Richard Miskolci, a heteronormatividade expressa as expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da sociedade. A heteronormatividade é um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. É uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e “natural” da heterossexualidade. Para Miskolci, o estudo da sexualidade necessariamente implica explorar os meandros da heteronormatividade, tanto a homofobia materializada em mecanismos de interdição e controle das relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, quanto a padronização heteronormativa dos homo orientados.[8]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. WARNER, Michael. "Introduction: Fear of a Queer Planet". Social Text; 9 (4 [29]): 3-17, 1991
  2. RICH, Adrienne. "Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence" in Signs: Journal of Women in Culture and Society, 5:631-60, 1980.
  3. CHAMBERS, Samuel A. "Telepistemology of the Closet; Or, the Queer Politics of Six Feet Under". Journal of American Culture 26.1: 24-41, 2003
  4. CHAMBERS, Samuel A. "Revisiting the Closet: Reading Sexuality in Six Feet Under, in Reading Six Feet Under. McCabe e Akass, eds. IB Taurus, 2005.
  5. COHEN, Cathy J. Punks, bulldaggers, and welfare queen: The radical potential of queer politics? in "Black Queer Studies". E. Patrick Johnson e Mae G. Henderson, eds. Duke UP, 2005. 24
  6. COHEN, Cathy J. Punks, bulldaggers, and welfare queen: The radical potential of queer politics? in "Black Queer Studies". E. Patrick Johnson e Mae G. Henderson, eds. Duke UP, 2005. 26
  7. Eve Kosofsky Sedgwick, The Epistemology of the Closet.
  8. MISKOLCI, Richard (2009). «A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização» (PDF). Sociologias. pp. 150–182. Consultado em 12 de setembro de 2013 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. ISBN 85-7617-100-7
  • «Sexo, poder e a política da identidade»  - entrevista concedida por Michel Foucault a B. Gallagher e A. Wilson, em Toronto, junho de 1982. Publicada originalmente em "The Advocate", n. 400, 7 de agosto de 1984, pp. 26–30 e 58.
  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I. A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II. O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade III. O Cuidado de Si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.