Latim vulgar – Wikipédia, a enciclopédia livre

O latim vulgar (do latim "sermo vulgaris": "fala popular") ou latinório[1] é um termo empregado para designar os dialectos vernáculos do latim (as variações regionais) falado principalmente nas províncias ocidentais do Império Romano. Considera-se que a variação tenha ocorrido no período do século II ao século V aproximadamente,[2] até a diferenciação das línguas românicas primitivas (romanística, idiomas neolatinos); ou seja, é uma variante popular falada por antigos romanos, que posteriormente também originou a língua portuguesa.[2]

Clássico Pós-clássico
e romance
Português
albus blancus alvo, branco
bellum guerra bélico, guerra
cogitare pensare cogitar, pensar
cruor sanguis cruorina, sangue
domus casa domo, domícilio, casa
emere comparare emérito, comprar
equus caballus equino, cavalo
felis cattus felino, gato
ferre portare portar (carregar)
hortus gardinus horto, horta, jardim
ignis focus ígneo, fogo
ludere jocare eludir, lúdico, jogar
magnus grandis magnífico, grande
omnis totus omni-, ônibus,
omnisciente, todos
os bucca ósculo, boca
pulcher bellus pulcro, belo
scire sapere ciência, saber
sidus stella sideral, estrela
O Império Romano em 330 d.C., com as áreas influenciadas pelo latim em vermelho.

Certas palavras do latim clássico foram tiradas do vocabulário. O clássico equus, "cavalo", foi substituído por caballus (mas note o romeno iapă, sardo èbba, espanhol yegua, catalão euga e português égua e derivadas do clássico equa).

Uma lista parcial de palavras que são exclusivamente clássicas e aquelas que são produtos do românico são encontradas na tabela à direita.

Algumas dessas palavras, oriundas do românico, foram emprestadas de volta ao próprio latim. As mudanças de vocabulário afetaram mesmo as partículas gramaticais básicas do latim; há muitas que desapareceram sem deixar traços no romance, tal como an, at, autem, donec, enim, ergo, etiam, haud, igitur, ita, nam, postquam, quidem, quin, quod, quoque, sed, utrum e vel.[3]

Verbos com preposições prefixadas frequentemente apresentaram formas simples. O número de palavras formadas por tais sufixos como -bilis, -arius, -itare e -icare cresceu. Estas mudanças ocorreram frequentemente para evitar formas irregulares ou para regularizar gêneros.

Por outro lado, uma vez que o latim vulgar e o próprio latim foram por muito tempo em sua história diferentes registros da mesma língua, antes que diferentes línguas, algumas línguas românicas preservam palavras latinas que usualmente foram perdidas. Por exemplo, a palavra italiana ogni ("tudo/todo") preserva a latina omnes. Outras línguas usam cognatos de totus (acusativo totum) para o mesmo significado; por exemplo tutto em italiano, tudo/todo em português, todo em espanhol, tot em catalão, tout em francês e tot em romeno.

Algumas vezes, uma palavra em latim clássico foi mantida ao lado de uma em latim vulgar. Em latim vulgar, a clássica caput, "cabeça", tornou-se testa (originalmente "pote") em algumas formas de romance ocidental, incluindo francês e italiano. Mas o italiano, o francês e o catalão mantiveram a palavra latina sob a forma de capo, chef e cap as quais conservaram muitos significados metafóricos de "cabeça", incluindo "chefe". A palavra latina com o significado original é preservada em romeno como cap, junto com țeastă, ambas significando 'cabeça' no sentido anatômico. Dialetos do sul da Itália também preservam capo como a palavra normal para "cabeça". Espanhol e português têm cabeza/cabeça, derivadas de *capetia, uma forma modificada de caput, enquanto em português testa foi conservada como a palavra para a parte frontal da cabeça.

Frequentemente, palavras emprestadas diretamente do latim literário em alguma época posterior, em vez de evoluída do latim vulgar, são encontradas lado a lado com a forma evoluída do vulgar. A falta de esperados desenvolvimentos fonéticos é uma pista que a palavra foi emprestada. Por exemplo, latim vulgar fungus (acusativo fungum), "fungo, cogumelo", a qual tornou a italiana fungo, catalã fong, portuguesa fungo, tornou-se hongo em espanhol, mostrando o f > h mudança comum no espanhol primitivo (cf. filius > espanhol hijo, "filho" ou facere > espanhol hacer, "fazer"). Mas o espanhol também tem fungo, a qual, por sua falta da esperada mudança de som, mostra que foi emprestada diretamente do latim clássico.[3]

O latim vulgar continha grande número de palavras de origem estrangeira não presentes nos textos literários. Muitas palavras na medicina foram escritas em grego e palavras frequentemente emprestadas dessa fontes. Por exemplo, gamba ('junta do joelho'), originalmente um termo veterinário somente, substituiu a clássica palavra latina para "perna" (crus) na maioria das línguas românicas, (cf. francês: jambe; italiano: gamba). Termos culinários também foram frequentemente emprestados de fontes gregas. Por exemplo: o calco da palavra grega deu ficatum (iecur)' (fígado de ganso) e o particípio ficatum tornou-se a palavra comum para "fígado" latim vulgar (cf. espanhol: higado; francês: foie; italiano: fegato, ro. ficat). Importantes termos religiosos foram também tomados de termos escritos em grego, tais como episcopos (bispo), presbyter (presbítero), martyr. Palavras emprestadas do gaulês incluem caballos ("cavalo" cf. caballus), e karros ("carro" cf. carrus).

Uma visão nas mudanças de vocabulário do latim vulgar tardio na França podem ser vistas no Reichenau Glosses,[4] escritas nas margens de uma Bíblia Vulgata, explicando palavras em latim vulgar do século IV cuja leitura não era mais compreensível no século VII, quando os glossários eram escritos. Estes glossários demonstram mudanças vocabulares típicas nas línguas galo-românicas.

Ver também[editar | editar código-fonte]

  • Appendix Probi, lista de erros ortográficos comuns no latim vulgar do século IV d.C.

Referências

  1. FERREIRA, A. B. de H. (2010). Dicionário Aurélio de língua portuguesa. Curitiba: Positivo. p. 1243 
  2. a b Disciplina latim vulgar, 4º semestre (PDF). Centro de Artes e Letras - Filologia Românica/Romanística. [S.l.]: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA 
  3. a b Harrington, K. P.; Pucci, J.; Elliott, A. G. (1997). Medieval Latin (2nd ed.). University of Chicago Press. ISBN 0-226-31712-9.
  4. «The Reichenau Glosses». Consultado em 8 de junho de 2008. Arquivado do original em 5 de outubro de 2007 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

  • MAURER JR., Theodoro Henrique O Problema do Latim Vulgar. Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1962 (resenha). Por Nelly Novaes Coelho.
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Ver também: História do latim, literatura latina, latim vulgar, latim eclesiástico, línguas românicas, Corpus Inscriptionum Latinarum