Polifagia – Wikipédia, a enciclopédia livre

Polyphagia
Classificação e recursos externos
CID-10 R63.2
CID-9 783.6
CID-11 1853970831
MeSH D006963
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Polifagia é um termo médico utilizado para descrever uma fome excessiva. Na 11a edição da Classificação Internacional de Doenças é descrito como um desejo aumentado e intermitente ou persistente de comer em relação ao normal do indivíduo[1].

A polifagia é um sintoma decorrente de alguma condição patológica e se difere de uma fome aumentada já que permanece mesmo depois de comer[2]. Embora seja sinônimo de hiperfagia, o termo polifagia é comumente utilizado para descrever sintoma decorrente da Diabetes.

Etiologia[editar | editar código-fonte]

Nem todas as causas fisiopatológicas são conhecidas pela ciência. Contudo, geralmente é decorrente de um desequilíbrio da homeostase das reações fisiológicas relacionadas aos mecanismos de fome e saciedade, envolvendo sinalizadores importantes como, por exemplo, a leptina.

A percepção de fome e saciedade envolve os controles hedônico e homeostático, os quais podem se sobrepor. O controle hedônico está relacionado à palatabilidade, ao querer e gostar de alimentos específicos, e se concentra em componentes cerebrais associados ao sistema límbico: tronco cerebral, hipotálamo, tálamo, área pré-frontal e rinencéfalo. O controle homeostático envolve sinalizadores, e tem como componentes associados o hipotálamo, o núcleo do trato solitário (NTS), entre outras áreas[3].

No hipotálamo, há duas famílias de neurônios importantes para os mecanismos de fome e saciedade: os produtores de neurotransmissores POMC/CART - que têm função anorexigênica, ou seja, respondem a sinais de que há nutriente e substrato energético no organismo, inibe a ingestão alimentar - e os produtores de neurotransmissores AgRP/NPY - que têm função orexigênica, ou seja, quando não há substrato energético, ativam a ingestão alimentar, a procura de alimento[4][5].

A leptina e a insulina são importantes sinalizadores periféricos para  a percepção de fome e saciedade. A leptina é um hormônio secretado pelo tecido adiposo branco proporcionalmente à quantidade desse tecido. A insulina é um hormônio secretado pelas células beta do pâncreas, muito atuante no controle glicêmico. Ambos atravessam a barreira hemato-encefálica e se ligam a receptores presentes nas populações neuronais mencionadas[6]. Hormônios do trato gastrointestinal emitem sinais de saciedade, realizando controle mais de curto prazo (CCK, GLP-1, PYY, grelina, OXM) e podem interagir com as famílias de neurônios mencionadas ou enviar sinalização via nervo vago para o NTS[7].

Polifagia na Diabetes Mellitus[editar | editar código-fonte]

A polifagia, junto com a a polidipsia e a poliúria, faz parte da tríade de sintomas principais da hiperglicemia, conhecida como as três polis[8] e aparece em aproximadamente 1 a cada 3 pacientes com Diabetes Mellitus[2].

Indivíduos que fazem o controle da glicemia e apresentam esse sintoma, principalmente idosos que fazem tratamento farmacoterápico da Diabetes, geralmente usam a polifagia como indicativo que o manejo da glicose no sangue não está adequado, pois ela se expressa em situações de hiperglicemia constante[9].

Os mecanismos fisiopatológicos para a sua expressão na Diabetes não são totalmente conhecidos, mas há evidências que indicam que pode ocorrer em função de um distúrbio nos centros hipotalâmicos da fome e saciedade decorrente da resistência insulínica da doença[10].

Além disso, estudos mais recentes indicam que  a resistência à insulina, principalmente em células de gordura, os adipócitos, está relacionada ao aumento da fome, pois ela causa um distúrbio na liberação de leptina - o qual é um hormônio inibidor dos centros hipotalâmicos da fome e é liberado mediante ativação de receptores de glicose de células de gordura[10]. Elevadas quantidades de leptina tem um efeito anorexígeno, ou seja, o efeito que reduz a sensação de fome e aumenta o gasto energético e a oxidação de lipídeos. O prejuízo da ação da insulina diminui a ação dessa via reguladora da fome podendo alterar o apetite do indivíduo, aumentando-o. A desregulação dessa via hormonal também está relacionada com a perda de peso em indivíduos com cetoacidose diabética[10][11].

Polifagia na Síndrome de Kleine-Levin[editar | editar código-fonte]

Na síndrome neurológica de Kleine-Levin é considerada o segundo principal sintoma, estando presente em 3 a cada 4 pessoas com esse distúrbio. A fisiopatologia desse sintoma não é conhecida. A polidipsia, excesso de sede, com ingestão elevada de líquidos pode ser apresentada também concomitantemente a polifagia, mas nunca sozinha[12].

A polifagia em um episódio da síndrome pode levar a um aumento de peso entre 3,2 e 13,6 kg[13]. Geralmente, há uma preferência por alimentos doces e escolhas atípicas de comidas, mas alguns ensaios clínicos mais recentes mostraram que o indivíduo come qualquer alimento e tudo que lhe é oferecido[12].

Há relatos também de casos de internação hospitalar por dispneia (falta de ar) em função de uma distensão abdominal decorrente da ingestão elevada de comida e também de casos de roubo de alimentos em lojas e de refeições de outros pacientes quando internados em hospitais[13].

Casos de morte associados a polifagia[editar | editar código-fonte]

Não é comumente associada a morte inesperada. Mas há casos reportados de falecimento em função da obstrução da via respiratória ou por engasgamento sem asfixia, antigamente conhecido como síndrome de café-coronária[14].

Veja também[editar | editar código-fonte]

  1. WORLD HEALTH ORGANIZATION (2019). «ICD-11 for mortality and morbidity statistics». Geneva. Consultado em 10 de julho de 2022 
  2. a b SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES (2019). Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 (PDF). [S.l.]: Clannad 
  3. Sam, Amir H (2012). «The role of the gut/brain axis in modulating food intake». Neuropharmacology. 63 (1): 46-56 
  4. Marion, Vincent (2012). «BBS-induced ciliary defect enhances adipogenesis, causing paradoxical higher-insulin sensitivity, glucose usage, and decreased inflammatory response». Cell metabolism. 16 (3): 363-377 
  5. Schwartz, Michael W (2000). «Central nervous system control of food intake». Nature. 404 (6778): 661-671 
  6. Le Thuc, Ophélia (2017). «Hypothalamic inflammation and energy balance disruptions: spotlight on chemokines». Frontiers in Endocrinology. 8: 197 
  7. Lennon, Dany (2015). «How Do You Avoid Overeating (Without Counting Calories)?». Sigma Nutrition. Consultado em 12 de julho de 2021 
  8. Foss, Milton C (1989). «Diabetes mellitus: conceito, diagnóstico e classificação». Ribeirão Preto. Rev. Medicina (Ribeirão Preto). 22 (1-2): 54-61 
  9. Santos-Souza, Andrea dos (2019). «Uso de medicamentos e estilo de vida no gerenciamento do diabetes em idosos». Rev. de salud pública (Bogotá, Colombia). 21 (3): 333-339 
  10. a b c Oliveira, Jose E P; Milech, Adolpho (2004). Diabetes Mellitus: Clínica, Diagnóstico e Tratamento Multidisciplinar. São Paulo: Atheneu 
  11. Shills, Maurice E; Shike, Moshe; Ross, A. Catharine; Caballero, Benjamin; Cousins, Robert J (2009). Nutrição Moderna na Saúde e na Doença 10a ed ed. São Paulo: Manole 
  12. a b Ramdurg, Santosh (2010). «Kleine–Levin syndrome: etiology, diagnosis, and treatment». Annals of Indian Academy of Neurology. 13 (4): 241 
  13. a b Arnulf, Isabelle (2005). «Kleine–Levin syndrome: a systematic review of 186 cases in the literature». Brain. 128 (12): 2763-2776 
  14. Banhart, Jay S; Mittleman, Roger E (1986). «Unusual deaths associated with polyphagia». The American Journal of Forensic Medicine and Pathology. 7: 30-34