Sensibilização – Wikipédia, a enciclopédia livre

A sensibilização é um processo de aprendizagem não associativo no qual a administração repetida de um estímulo resulta na amplificação progressiva de uma resposta.[1] A sensibilização muitas vezes é caracterizada por um aumento da resposta a toda uma classe de estímulos além daquele que é repetido. A repetição de um estímulo doloroso, por exemplo, pode tornar a pessoa mais responsiva a um ruído alto.

História[editar | editar código-fonte]

Eric Kandel foi um dos primeiros a estudar a base neural da sensibilização, realizando experimentos nas décadas de 1960 e 1970 sobre o reflexo de retirada branquial da lesma Aplysia. Kandel e seus colegas primeiro habituaram o reflexo, enfraquecendo a resposta ao tocar repetidamente no sifão do animal. Eles, então, emparelharam estímulos elétricos nocivos à cauda com um toque no sifão, fazendo com que a resposta de retirada das brânquias reaparecesse. Após essa sensibilização, um leve toque no sifão sozinho produziu uma forte resposta de retirada das brânquias, efeito este que durou vários dias.[2] Em 2000, Eric Kandel recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por sua pesquisa em processos de aprendizagem neuronal.

Bases neurais[editar | editar código-fonte]

As bases neurais da sensibilização comportamental não estão totalmente elucidadas, embora tipicamente resultem quando um receptor celular torna-se mais propenso a responder a um estímulo. Exemplos de sensibilização neural incluem:

  • A estimulação elétrica ou química no hipocampo de ratos causa fortalecimento dos sinais sinápticos, um processo conhecido como potenciação de longo prazo ou LTP.[3] O LTP de receptores AMPA é um potencial mecanismo subjacente à memória e aprendizagem no cérebro.
    • No modelo de kindling, a estimulação repetida de neurônios hipocampais ou amigdaloides no sistema límbico acaba levando a convulsões em animais de laboratório. Após a sensibilização, pode ser necessária pouquíssima estimulação para produzir convulsões. Assim, o kindling foi sugerido como um modelo para a epilepsia do lobo temporal em humanos, onde um estímulo repetitivo (luzes piscando, por exemplo) pode causar crises epilépticas.[4] Muitas vezes, as pessoas que sofrem de epilepsia do lobo temporal relatam sintomas de efeitos negativos, como ansiedade e depressão, que podem ser resultantes da disfunção límbica.[5]
  • Na "sensibilização central", os neurônios nociceptivos nos cornos dorsais da medula espinhal tornam-se sensibilizados por danos nos tecidos periféricos ou pela inflamação.[6] Sugere-se que esse tipo de sensibilização seja um possível mecanismo causal para condições de dor crônica. As alterações da sensibilização central ocorrem após repetidos ensaios de dor. Pesquisas mostraram consistentemente que, quando um animal é repetidamente exposto a um estímulo doloroso, seu limiar de dor muda e resulta em uma resposta à dor mais forte. Pesquisadores acreditam que existem paralelos que podem ser traçados entre esses testes em animais e a dor persistente nas pessoas. Por exemplo, após uma cirurgia nas costas em que se removeu uma hérnia de disco causando um nervo comprimido, o paciente ainda pode continuar a "sentir" dor. Além disso, os recém-nascidos que são circuncidados sem anestesia mostraram tendências a reagir mais fortemente a futuras injeções, vacinas e outros procedimentos semelhantes. As respostas dessas crianças são aumento do choro e maior resposta hemodinâmica (taquicardia e taquipneia).[7]
  • A sensibilização a drogas ocorre na dependência de drogas e é definida como um efeito aumentado da substância após doses repetidas (o oposto da tolerância à droga). Tal sensibilização ocorre devido a mudanças na transmissão dopaminérgica mesolímbica cerebral, bem como devido a uma proteína dentro dos neurônios mesolímbicos chamada delta FosB. Um processo associativo pode contribuir para o vício, pois os estímulos ambientais associados ao consumo de drogas podem aumentar o desejo de consumi-las. Esse processo pode também aumentar o risco de recaída em dependentes em abstinência.[8]

Sensibilização cruzada[editar | editar código-fonte]

A sensibilização cruzada é um fenômeno no qual a sensibilização a um estímulo é reverberada em um estímulo relacionado, resultando na amplificação de uma resposta particular tanto ao estímulo original quanto ao estímulo relacionado.[9][10] Por exemplo, a sensibilização cruzada aos efeitos neurais e comportamentais de drogas viciantes é bem caracterizada, como a sensibilização à resposta locomotora de um estimulante resultando em sensibilização cruzada aos efeitos de ativação motora de outros estimulantes. Da mesma forma, a sensibilização por recompensa a uma determinada droga viciante geralmente resulta em sensibilização cruzada por recompensa, que envolve a sensibilização à propriedade recompensadora de outras drogas viciantes da mesma classe de droga ou mesmo de certas recompensas naturais.

Em animais, tem-se estabelecida a sensibilização cruzada entre o consumo de diversos tipos de drogas de abuso – em consonância com a teoria das drogas de entrada – e também entre o consumo de açúcar e a autoadministração de drogas de abuso.[11]

Como fator causal em patologias[editar | editar código-fonte]

Implica-se que a sensibilização possa ser um mecanismo causal ou de manutenção em uma ampla gama de patologias aparentemente não relacionadas, incluindo dependência, alergias, asma, bexiga hiperativa[12] e algumas síndromes medicamente inexplicáveis, como fibromialgia e sensibilidade química múltipla. A sensibilização também pode contribuir para distúrbios psicológicos, como transtorno de estresse pós-traumático, ataque de pânico e transtornos do humor.[13][14][15]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Shettleworth, S. J. (2010). Cognition, Evolution and Behavior 2nd ed. New York: Oxford 
  2. Squire LR, Kandel ER (1999). Memory: From Mind to Molecules. New York: Scientific American Library; New York: W.H. Freeman. ISBN 0-7167-6037-1.
  3. Collingridge, Graham L.; Isaac, John T. R.; Wang, Yu Tian (2004). «Receptor trafficking and synaptic plasticity». Nature Reviews Neuroscience. 5 (12): 952–962. PMID 15550950. doi:10.1038/nrn1556 
  4. Morimoto, Kiyoshi; Fahnestock, Margaret; Racine, Ronald J. (2004). «Kindling and status epilepticus models of epilepsy: Rewiring the brain». Progress in Neurobiology. 73 (1): 1–60. PMID 15193778. doi:10.1016/j.pneurobio.2004.03.009 
  5. Teicher, M. H.; Glod, C. A.; Surrey, J.; Swett Jr, C. (1993). «Early childhood abuse and limbic system ratings in adult psychiatric outpatients». The Journal of Neuropsychiatry and Clinical Neurosciences. 5 (3): 301–6. PMID 8369640. doi:10.1176/jnp.5.3.301 
  6. Ji, R. R.; Kohno, T.; Moore, K. A.; Woolf, C. J. (2003). «Central sensitization and LTP: Do pain and memory share similar mechanisms?». Trends in Neurosciences. 26 (12): 696–705. PMID 14624855. doi:10.1016/j.tins.2003.09.017 
  7. Gudin, J. (2004). «Expanding Our Understanding of Central Sensitization». Medscape Neurobiology. 6 (1) 
  8. Robinson, T. E.; Berridge, K. C. (1993). «The neural basis of drug craving: An incentive-sensitization theory of addiction». Brain Research. Brain Research Reviews. 18 (3): 247–91. PMID 8401595. doi:10.1016/0165-0173(93)90013-p 
  9. Brumovsky PR, Gebhart GF (fevereiro de 2010). «Visceral organ cross-sensitization – an integrated perspective». Autonomic Neuroscience: Basic & Clinical. 153 (1–2): 106–15. PMC 2818077Acessível livremente. PMID 19679518. doi:10.1016/j.autneu.2009.07.006 
  10. Malykhina AP, Wyndaele JJ, Andersson KE, De Wachter S, Dmochowski RR (março de 2012). «Do the urinary bladder and large bowel interact, in sickness or in health? ICI-RS 2011». Neurourology and Urodynamics. 31 (3): 352–8. PMC 3309116Acessível livremente. PMID 22378593. doi:10.1002/nau.21228 
  11. Avena NM, Rada P, Hoebel BG (2008). «Evidence for sugar addiction: behavioral and neurochemical effects of intermittent, excessive sugar intake». Neuroscience and Biobehavioral Reviews. 32 (1): 20–39. PMC 2235907Acessível livremente. PMID 17617461. doi:10.1016/j.neubiorev.2007.04.019 
  12. Reynolds WS, Dmochowski R, Wein A, Bruehl S (agosto de 2016). «Does central sensitization help explain idiopathic overactive bladder?». Nature Reviews. Urology. 13 (8): 481–91. PMC 4969200Acessível livremente. PMID 27245505. doi:10.1038/nrurol.2016.95 
  13. Rosen, Jeffrey B.; Schulkin, Jay (1998). «From normal fear to pathological anxiety». Psychological Review. 105 (2): 325–350. PMID 9577241. doi:10.1037/0033-295X.105.2.325 
  14. Antelman, Seymour M. (1988). «Time-dependent sensitization as the cornerstone for a new approach to pharmacotherapy: Drugs as foreign/Stressful stimuli». Drug Development Research. 14: 1–30. doi:10.1002/ddr.430140102 
  15. Post, R. M. (1992). «Transduction of psychosocial stress into the neurobiology of recurrent affective disorder». The American Journal of Psychiatry. 149 (8): 999–1010. PMID 1353322. doi:10.1176/ajp.149.8.999