Sociedade comunista – Wikipédia, a enciclopédia livre

No pensamento marxista, uma sociedade comunista ou o sistema comunista é um tipo de sociedade e de sistema económico postulado para emergir dos avanços tecnológicos nas forças produtivas, é caracterizada pela propriedade comum com livre acesso aos meios de produção,[1][2] aos artigos de consumo e, sem a existência de divisão em classes e sem Estado,[3] implicando o fim da exploração do trabalho.[4][5] Representando o objetivo supremo da ideologia política do comunismo.

O comunismo é uma etapa específica do desenvolvimento sócio-económico baseado numa superabundância de riqueza material, que se postula surgir dos avanços da tecnologia de produção e das correspondentes mudanças nas relações sociais de produção. Isto permitiria uma distribuição baseada na necessidade e relações sociais baseadas em indivíduos livremente associados.[6][5][4]

O termo sociedade comunista deve ser distinguido do conceito ocidental de Estado comunista, referindo-se este último a um Estado governado por um partido que professa o Marxismo-Leninismo ou uma das suas variações.[7][8]

Aspetos económicos[editar | editar código-fonte]

Um sistema económico comunista seria caracterizado por uma tecnologia produtiva avançada que permite a abundância material, que por sua vez permitiria a distribuição livre da maior parte ou de toda a produção económica e a detenção dos meios de produção desta produção em comum. A este respeito, o comunismo diferencia-se do socialismo, o que, por necessidade económica, restringe o acesso a artigos de consumo e serviços com base na contribuição de cada um.[9]

Em contraste com os sistemas económicos anteriores, o comunismo seria caracterizado pela posse de recursos naturais e meios de produção em comum, em vez de serem propriedade privada (como no caso do capitalismo) ou propriedade de organizações públicas, ou cooperativas que restringem o seu acesso de forma semelhante (como no caso do socialismo). Neste sentido, o comunismo envolve a "negação da propriedade" enquanto haveria pouca lógica económica para o controlo exclusivo dos bens de produção num ambiente de abundância material.[10]

O sistema económico comunista plenamente desenvolvido é postulado para se desenvolver a partir de um sistema socialista anterior. Marx defendia que o socialismo - um sistema baseado na propriedade social dos meios de produção - permitiria o progresso no sentido do desenvolvimento de um comunismo plenamente desenvolvido através do avanço da tecnologia produtiva. Sob o socialismo, com os seus crescentes níveis de automatização, uma proporção crescente de bens seria distribuída livremente.[11]

Aspetos sociais[editar | editar código-fonte]

Individualidade, liberdade e criatividade[editar | editar código-fonte]

Na realidade, o reino da liberdade só começa onde o trabalho que é determinado pela necessidade e considerações mundanas cessa; assim, na própria natureza das coisas, está para além da esfera da produção material real.

Uma sociedade comunista libertaria os indivíduos de longas horas de trabalho, primeiro automatizando a produção a ponto de reduzir a duração média da jornada de trabalho e, segundo, eliminando a exploração inerente à divisão entre trabalhadores e proprietários. Um sistema comunista libertaria assim os indivíduos da alienação no sentido de terem a sua vida estruturada em torno da sobrevivência (fazer um salário ou vencimento num sistema capitalista), o que Marx referiu como uma transição do "reino da necessidade" para o "reino da liberdade". Como resultado, uma sociedade comunista é vista como sendo composta por uma população intelectualmente inclinada, com tempo e recursos para prosseguir os seus passatempos criativos e interesses genuínos, e para contribuir para uma riqueza social criativa desta forma. Karl Marx considerou "verdadeira riqueza" a quantidade de tempo que se tem à sua disposição para perseguir as suas paixões criativas. A noção de comunismo de Marx é, desta forma, radicalmente individualista.

O conceito de Marx do "reino da liberdade" vai de mãos dadas com a sua ideia do fim da divisão do trabalho, que não seria necessária numa sociedade com uma produção altamente automatizada e papéis de trabalho limitados. Numa sociedade comunista, a necessidade e as relações económicas deixariam de determinar as relações culturais e sociais. À medida que a escassez fosse eliminada,[10] o trabalho alienado cessaria e as pessoas seriam livres de perseguir os seus objetivos individuais.[13] Além disso, crê-se que o princípio de "de cada um de acordo com a sua capacidade, a cada um de acordo com as suas necessidades" poderia ser cumprido devido à escassez ser inexistente.[14][15]

Política, lei e governança[editar | editar código-fonte]

Marx e Engels defenderam que uma sociedade comunista não teria necessidade do Estado, tal como existe na sociedade capitalista contemporânea. O Estado capitalista existe principalmente para impor relações económicas hierárquicas, para impor o controlo exclusivo da propriedade, e para regular atividades económicas capitalistas - tudo isto seria inaplicável a um sistema comunista.[10][13]

Engels observou que num sistema socialista a função primária das instituições públicas passará de ser sobre a criação de leis e o controlo das pessoas para um papel técnico como administrador dos processos técnicos de produção, com uma diminuição do âmbito da política tradicional, uma vez que a administração científica ultrapassa o papel da tomada de decisões políticas.[16] A sociedade comunista é caracterizada por processos democráticos, não apenas no sentido da democracia eleitoral, mas no sentido mais amplo de ambientes sociais e de trabalho abertos e colaborativos.[10]

Marx nunca especificou explicitamente se pensava ou não que uma sociedade comunista seria justa; outros pensadores especularam que ele pensava que o comunismo transcenderia a justiça e criaria uma sociedade sem conflitos, portanto, sem a necessidade de regras de justiça.[17]

Etapas de transição[editar | editar código-fonte]

Marx também escreveu que entre a sociedade capitalista e a comunista, haveria um período transitório conhecido como a ditadura do proletariado.[10] Durante esta fase precedente de desenvolvimento da sociedade, as relações económicas capitalistas seriam gradualmente abolidas e substituídas pelo socialismo. Os recursos naturais tornar-se-iam propriedade pública, enquanto todos os centros de produção e locais de trabalho passariam a ser propriedade social e geridos democraticamente. A produção seria organizada por avaliação e planeamento científicos, eliminando assim aquilo a que Marx chamou a "anarquia na produção". O desenvolvimento das forças produtivas levaria à marginalização do trabalho humano na maior medida possível, a ser gradualmente substituído por trabalho automatizado.[carece de fontes?]

Código aberto e produção em pares[editar | editar código-fonte]

Muitos aspetos de uma economia comunista surgiram nas últimas décadas sob a forma de software e hardware de código aberto, onde o código-fonte e, portanto, os meios de produção de software são mantidos em comum e livremente acessíveis a todos; e aos processos de produção entre pares, onde os processos de trabalho colaborativo produzem software livremente disponível que não depende da avaliação monetária.[carece de fontes?]

Ray Kurzweil postula que os objetivos do comunismo serão realizados por desenvolvimentos tecnológicos avançados no século XXI, onde a intersecção de baixos custos de fabrico, abundância material e filosofias de design de fonte aberta permitirá a realização da máxima "De cada qual, segundo a sua a capacidade; a cada qual, segundo as suas as necessidades".[18]

Na ideologia soviética[editar | editar código-fonte]

O sistema económico comunista foi oficialmente enumerado como o objetivo final do Partido Comunista da União Soviética na sua plataforma partidária. De acordo com o Programa do PCUS de 1986:

O comunismo é um sistema social sem classes, com uma forma de propriedade pública dos meios de produção e com plena igualdade social de todos os membros da sociedade. Sob o comunismo, o desenvolvimento integral das pessoas será acompanhado pelo crescimento das forças produtivas com base no progresso contínuo da ciência e da tecnologia, todas as fontes de riqueza social fluirão abundantemente, e o grande princípio "De cada qual, segundo a sua capacidade; a cada qual, segundo as suas necessidades" será implementado. O comunismo é uma sociedade altamente organizada de trabalhadores livres e socialmente conscientes, uma sociedade em que a autogovernação pública será estabelecida, uma sociedade em que o trabalho para o bem da sociedade se tornará a principal exigência vital de todos, uma necessidade obviamente reconhecida, e a capacidade de cada pessoa será empregada para o maior benefício do povo.

A base material e técnica do comunismo pressupõe a criação daquelas forças produtivas que abrem oportunidades para a plena satisfação das exigências razoáveis da sociedade e do indivíduo. Todas as atividades produtivas sob o comunismo serão baseadas na utilização de instalações técnicas e tecnologias altamente eficientes, e a interação harmoniosa do homem e da natureza será assegurada.

Na fase mais elevada do comunismo, o carácter diretamente social do trabalho e da produção tornar-se-á firmemente estabelecido. Através da completa eliminação dos restos da antiga divisão do trabalho e das diferenças sociais essenciais a ela associadas, o processo de formação de uma sociedade socialmente homogénea será completado.

O comunismo significa a transformação do sistema de autogoverno socialista pelo povo, da democracia socialista na mais alta forma de organização da sociedade: o autogoverno público comunista. Com o amadurecimento das condições socioeconómicas e ideológicas necessárias e o envolvimento de todos os cidadãos na administração, o Estado socialista - dadas as condições internacionais adequadas - tornar-se-á, como Lenine observou, cada vez mais uma forma de transição "de um Estado para um não Estado". As actividades dos organismos estatais tornar-se-ão de natureza não política, e a necessidade do Estado como instituição política especial desaparecerá gradualmente.

A característica inalienável do modo de vida comunista é um elevado nível de consciência, atividade social, disciplina e autodisciplina dos membros da sociedade, em que a observância das regras de conduta comunista, geralmente aceites, se tornará uma necessidade e hábito interior de cada pessoa.

O comunismo é um sistema social sob o qual o livre desenvolvimento de cada um é uma condição para o livre desenvolvimento de todos.[19]

Na teoria política de Vladimir Lenin, uma sociedade sem classes seria uma sociedade controlada pelos produtores diretos, organizada para produzir de acordo com objetivos socialmente geridos. Tal sociedade, sugeriu Lenin, desenvolveria hábitos que gradualmente tornariam desnecessária a representação política, já que a natureza radicalmente democrática dos Sovietes levaria os cidadãos a concordar com o estilo de gestão dos representantes. Só neste ambiente, sugeriu Lenin, o Estado poderia definhar, dando início a um período de comunismo, sem Estado.[20]

Na ideologia soviética, os conceitos de Marx das "fases inferior e superior do comunismo" articulados na Crítica ao Programa de Gotha foram reformulados como as fases do "socialismo" e do "comunismo".[21] O Estado soviético afirmou ter iniciado a fase de "construção socialista" durante a implementação dos primeiros Planos Quinquenais durante a década de 1930, que introduziu uma economia centralizada, nacionalizada/coletivizada. O Programa do Partido Comunista da União Soviética de 1962, publicado sob a liderança de Nikita Khrushchev, afirmava que o socialismo fora firmemente estabelecido na URSS, e que o Estado iria agora progredir para a "construção em larga escala do comunismo",[22] embora isto possa ser entendido como uma referência aos "fundamentos técnicos" do comunismo, mais do que ao definhamento do Estado e à divisão do trabalho por si mesmo. No entanto, mesmo na edição final do seu programa antes da dissolução do partido, o PCUS não afirmou ter estabelecido plenamente o comunismo, mas sim que a sociedade passava por um processo de transição muito lenta e gradual.[23]

Veja também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Steele, David Ramsay (setembro de 1999). From Marx to Mises: Post Capitalist Society and the Challenge of Economic Calculation. [S.l.]: Open Court. ISBN 978-0875484495. Marx distinguishes between two phases of marketless communism: an initial phase, with labor vouchers, and a higher phase, with free access. 
  2. Busky, Donald F. (20 de julho de 2000). Democratic Socialism: A Global Survey. [S.l.]: Praeger. ISBN 978-0275968861. Communism would mean free distribution of goods and services. The communist slogan, 'From each according to his ability, to each according to his needs' (as opposed to 'work') would then rule 
  3. O'Hara, Phillip (setembro de 2003). Encyclopedia of Political Economy, Volume 2. [S.l.]: Routledge. 836 páginas. ISBN 0-415-24187-1. it influenced Marx to champion the ideas of a 'free association of producers' and of self-management replacing the centralized state. 
  4. a b Critique of the Gotha Program, Karl Marx.
  5. a b «Full Communism: The Ultimate Goal». Economic Theories. Cópia arquivada em 5 de junho de 2009 
  6. Kropotkin, Peter (1920). The Wages System.
  7. Busky, Donald F. (20 de julho de 2000). Democratic Socialism: A Global Survey. [S.l.]: Praeger. ISBN 978-0275968861. In a modern sense of the word, communism refers to the ideology of Marxism-Leninism. 
  8. Wilczynski, J. (2008). The Economics of Socialism after World War Two: 1945-1990. [S.l.]: Aldine Transaction. 21 páginas. ISBN 978-0202362281. Contrary to Western usage, these countries describe themselves as ‘Socialist’ (not ‘Communist’). The second stage (Marx’s ‘higher phase’), or ‘Communism’ is to be marked by an age of plenty, distribution according to needs (not work), the absence of money and the market mechanism, the disappearance of the last vestiges of capitalism and the ultimate ‘whithering away of the state. 
  9. Gregory and Stuart, Paul and Robert (2003). Comparing Economic Systems in the Twenty-First. [S.l.]: South-Western College Pub. ISBN 0-618-26181-8. Communism, the highest stage of social and economic development, would be characterized by the absence of markets and money and by abundance, distribution according to need, and the withering away of the state…Under socialism, each individual would be expected to contribute according to capability, and rewards would be distributed in proportion to that contribution. Subsequently, under communism, the basis of reward would be need. 
  10. a b c d e Barry Stewart Clark (1998). Political economy: a comparative approach. [S.l.]: ABC-CLIO. pp. 57–59. ISBN 978-0-275-96370-5. Consultado em 7 de março de 2011 
  11. Wood, John Cunningham (1996). Karl Marx's Economics: Critical Assessments I. [S.l.]: Routledge. ISBN 978-0415087148. In particular, this economy would possess (1) social ownership and control of industry by the ‘associated producers’ and (2) a sufficiently high level of economic development to enable substantial progress toward ‘full communism’ and thereby some combination of the following: super affluence; distribution of an increasing proportion of commodities as if they were free goods; an increase in the proportion of collective goods... 
  12. Karl Marx (1894). «Karl Marx, Capital Volume III, Part VII. Revenues and their Sources». Capital Volume III. Marxism.org. Consultado em 20 de junho de 2015 
  13. a b Craig J. Calhoun (2002). Classical sociological theory. [S.l.]: Wiley-Blackwell. 23 páginas. ISBN 978-0-631-21348-2. Consultado em 5 de março de 2011 
  14. Walicki, Andrzej (1995). Marxism and the leap to the kingdom of freedom: the rise and fall of the Communist utopia. Stanford, Calif: Stanford University Press. ISBN 978-0-8047-2384-8 
  15. Schaff, Kory (2001). Philosophy and the problems of work: a reader. Lanham, Md: Rowman & Littlefield. pp. 224. ISBN 978-0-7425-0795-1 
  16. Socialism: Utopian and Scientific, on Marxists.org: http://www.marxists.org/archive/marx/works/1880/soc-utop/ch01.htm: "In 1816, he declares that politics is the science of production, and foretells the complete absorption of politics by economics. The knowledge that economic conditions are the basis of political institutions appears here only in embryo. Yet what is here already very plainly expressed is the idea of the future conversion of political rule over men into an administration of things and a direction of processes of production."
  17. «Karl Marx – Stanford Encyclopaedia of Philosophy» . First published Tue Aug 26, 2003; substantive revision Mon Jun 14, 2010. Accessed March 4, 2011.
  18. Ray Kurzweil (1 de fevereiro de 2012). Kurzweil: Technology Will Achieve the Goals of Communism (em inglês). FORA TV 
  19. «The CPSU's Tasks In Perfecting Socialism And Making a Gradual Transition To Communism». Program of the CPSU, 27th Congress, 1986 - Part Two. Eurodos. 1998. Consultado em 26 de outubro de 2014 }}
  20. Lenin, Vladimir (1917). The State and Revolution. [S.l.: s.n.] 106 páginas 
  21. Lenin, V.I. State and Revolution. V.: The Economic Basis of the Withering Away of the State. Marxists.org. https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/staterev/ch05.htm
  22. Program of the Communist Party of the Soviet Union. With a special pref. to the American ed. by N. S. Khrushchev. New York: International Publishers, 1963. https://archive.org/details/ProgramOfTheCommunistPartyOfTheSovietUnion_150
  23. Program of the Communist Party of the Soviet Union. A New Edition. 1986. https://archive.org/details/ProgramOfTheCommunistPartyOfTheSovietUnion

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]