Tetrodotoxina – Wikipédia, a enciclopédia livre

A tetrodotoxina (TTX) é uma toxina hidrofílica, não proteica, produzida por certas bactérias, como Vibrio spp., no qual várias espécies de peixes, gastrópodes marinhos, bivalves, bactérias, anfíbios, artrópodes e platelmintas são incapazes de produzir a toxina endogenamente, logo adquirem-na através da cadeia alimentar.[1][2][3] Apresenta uma toxicidade cerca de 1000 vezes superior ao cianeto. É termoestável, o aquecimento não diminui a sua toxicidade, pelo contrário ocorre um aumento da mesma.[4]

Atualmente, conhecem-se 30 análogos estruturais da tetrodotoxina e vários estudos revelaram que o grau de toxicidade de cada um varia com a estrutura, de acordo com o número e a posição dos substituintes hidroxilo.

Tetrodotoxin
Fórmula C11H17N3O8
LD50 5.0 - 8.0 µg/kg
Massa molecular 319.28 u

É uma potente neurotoxina que bloqueia os potenciais de acção nos nervos. Esta substância liga-se aos poros dos canais de sódio voltagem-dependentes existentes nas membranas das células nervosas.

História[editar | editar código-fonte]

O peixe-balão é uma das espécies que contém tetrodotoxina mais estudada, podendo ser encontrado em ambientes de água doce ou salgada.

O primeiro relato de envenenamento num ocidental foi descrito nos registros do capitão James Cook, em 1774. Após a ingestão de uma pequena porção de peixe-balão, o capitão descreveu sensação de fraqueza e letargia nos músculos. Um dos porcos, que tinha ingerido o que restou do peixe, foi encontrado morto na madrugada seguinte.[5][6]

Síntese química[editar | editar código-fonte]

A primeira elucidação estrutural da tetrodotoxina ocorreu em 1964, por Robert B. Woodward et al. , seguida pela confirmação por cristalografia de raios-X em 1970.[7][8]

A primeira síntese total de tetrodotoxina racémica foi realizada no ano de 1972 e, atualmente, são diversas as metodologias e os reagentes utilizados, havendo várias estratégias para obtenção de tetrodotoxina enantiomericamente  pura (−).[9]

Envenenamento[editar | editar código-fonte]

O envenenamento é causado pela ingestão de toxina produzida nas gónadas e outros tecidos viscerais de alguns peixes da classe Tetraodontiformes, à qual pertencem o peixe fugu japonês ou baiacu. Esta toxina e a saxitoxina são dois venenos dos mais potentes conhecidos, sendo a dose letal mínima de cada uma delas, no camundongo, de aproximadamente 8 μg/kg.[10] São fatais para o homem. Ocorre também na pele de salamandras aquáticas, bodião, sapo Atelopus (da Costa Rica), determinados polvos, estrela-do-mar, anjo-do-mar, porco-espinho e caranguejo xantídeo. Nenhuma alga foi identificada como responsável por essa produção e até recentemente a tetrodotoxina foi considerada como um produto metabólico do hospedeiro. Recentes estudos da produção da tetrodotoxina/anidrotetrodotoxina por determinadas bactérias, incluídas as cepas da família da Vibrionaceae, Pseudomonas sp., e Photobacterium phosphoreum, apontam uma origem bacteriana para estas toxinas. É comum bactérias associarem-se à animais marinhos. Se confirmados, esses achados podem contribuir para o controle dessas toxicoses. O primeiro sintoma de envenenamento é uma dormência/paralisação dos lábios e da língua, que aparece entre 20 minutos a 3 horas depois da ingestão do baiacu. O sintoma seguinte é o aumento de parestesia de face e extremidades, que pode ser acompanhada de sensação de leveza ou flutuação. Dor de cabeça, rubor facial, dor epigástrica, náusea, diarréia e/ou vômito podem ocorrer. Dificuldade para andar pode ocorrer nessa fase que evolui para o aumento da paralisia, com dispnéia. A fala é afetada e a pessoa envenenada apresenta comumente cianose e hipotensão, com convulsões, contração muscular, pupilas dilatadas, bradicardia e insuficiência respiratória. O paciente, embora totalmente paralisado, permanece consciente e lúcido até o período próximo da morte. O óbito ocorre dentro de 4 a 6 horas, podendo variar de cerca de 20 minutos a 8 horas.

Agente etiológico[editar | editar código-fonte]

Tetrodotoxina (anidrotetrodotoxina 4-epitetrodotoxina, ácido tetrodônico). É uma neurotoxina não protéica, termo-estável, em concentrações nanomolares, bloqueiam especificamente os canais de Na+ nas membranas das células excitáveis. Como resultado, o potencial de ação é bloqueado. Nem todos os canais de Na+ são igualmente sensíveis à tetrodotoxina; os canais nas células musculares cardíacas e de músculo liso são amplamente resistentes, e um canal de Na+ tetrodotoxina-insensível é observado quando um músculo esquelético é desnervado. O bloqueio dos nervos vasomotores, associado ao relaxamento do músculo liso vascular, parece ser responsável pela hipotensão que é característica do envenenamento por tetrodotoxina. Esta toxina causa morte por paralisia dos músculos respiratórios.

Mecanismo de ação[editar | editar código-fonte]

O mecanismo de toxicidade da TTX está relacionado com o seu efeito nos tecidos excitáveis. Esta toxina liga-se aos canais de sódio dependentes da voltagem NaV dos músculos e dos nervos e bloqueia-os. A ligação da tetrodotoxina impede a passagem dos iões de sódio pelo canal, o que resulta numa impossibilidade de ocorrer a despolarização e propagação de potenciais de ação. Assim sendo, a inibição dos canais de sódio conduz à imobilização destes tecidos.[11]

A ligação desta toxina aos canais de dependentes da voltagem resulta da interação entre o grupo guanidina (carregado positivamente) da tetrodotoxina com os grupos carbonilo (carregados negativamente) nas cadeias laterais das subunidades-α do poro do canal de sódio.[4]

Ocorrência e Reservatório[editar | editar código-fonte]

Os seres marinhos portadores de tetrodotoxina encontram-se geograficamente distribuídos por diversos locais do mundo, porém verifica-se um maior número de intoxicações por esta toxina na China, Japão, Taiwan e Austrália .

Mais comum no Japão, que registrou, de 1974 a 1983, 646 casos de envenenamento por baiacu, com 179 casos fatais. Estima-se que são vítimas do veneno, em regiões onde essa prática é mais comum, cerca de 200 pessoas por ano com 50% de mortes. Há registros de casos por ingestão de baiacu provenientes do Oceano Atlântico, Golfo do México e Golfo da Califórnia. Também foram relatados casos não confirmados com ingestão de espécies provenientes do Atlântico - Spheroides maculatus; contudo, a toxina extraída desse peixe foi altamente tóxica para ratos. Uma espécie de molusco - Charonia sauliae tem sido implicada também em intoxicações, com evidência de que contenha derivados da tetrodoxina. Não há dados no Brasil sobre esse tipo de intoxicação/envenenamento pelo peixe baiacu.

Em 23/10/14, de acordo com matéria veiculada no jornal eletrônico G1, 11 pessoas em Duque de Caixas, Rio de Janeiro, foram contaminadas após ingerirem o baiacu. Dois dos pacientes ficaram em estado grave. Os médicos procederam à lavagem gástrica das vítimas.[12]

Período de incubação[editar | editar código-fonte]

De 20 minutos a 3 horas, havendo relato de casos com início dos sintomas 2 a 3 minutos após a ingestão. 6. Modo de transmissão - ingestão de baiacu e outras espécies que produzem a tetrodoxina. 7. Susceptibilidade e resistência - todos os humanos são suscetíveis ao veneno tetrodotoxina. Esta toxicose pode ser evitada não se consumindo baiacu ou outras espécies que produzem o veneno. Há várias outras espécies que contém a toxina, mas que não são alvo, felizmente, da culinária. Fugu no Japão é um problema de saúde pública pois faz parte da culinária tradicional. É considerado uma guloseima preparada e vendida em restaurantes especiais com indivíduos treinados e licenciados capazes de remover cuidadosamente as vísceras para reduzir o perigo de envenenamento.

A despeito dos cuidados na preparação, produtos à base de fugu no Japão ainda são responsáveis por casos fatais contabilizando-se cerca de 50 mortes anuais. A importação desse peixe é proibida em alguns países, como os EEUU, com especial exceção para os restaurantes japoneses. Entretanto, um potencial perigo permanece em relação a possíveis erros em seu preparo.

Diagnóstico e Conduta médica[editar | editar código-fonte]

O diagnóstico presuntivo é feito com base no quadro clínico e história de ingestão recente do baiacu/fugu ou similar. É importante estabelecer o diagnóstico diferencial com outras síndromes causadas por toxinas naturais, em especial, as produzidas por frutos do mar (Tabela 1), e com outros quadro neurológicos, dentre eles, o botulismo.

Tratamento[editar | editar código-fonte]

Não há antídoto conhecido para a intoxicação com tetrodotoxina. O tratamento atual consiste em suporte respiratório, intubação e ventilação mecânica até que a tetrodotoxina seja toda excretada pela urina. Está descrito na literatura que se a intoxicação por tetrodotoxina for detetada nos 60 minutos consequentes à ingestão da toxina, há vantagens no uso de carvão ativado ou na lavagem gástrica para diminuir a absorção deste tóxico. Recorrer a hemodiálise também se mostrou benéfico, principalmente em pacientes com comprometimento renal. É frequentemente administrada neostigmina para tratar a insuficiência respiratória aguda, apesar de não haver dados suficientes que recomendem ou desencorajem o seu uso.[4][11] Foram investigados e desenvolvidos vários anticorpos e “vacinas” com ação anti-tetrodotoxina, e que preveniam a morte dos intoxicados com este produto.[13][14][15]

Alimentos associados[editar | editar código-fonte]

Os envenenamentos estão praticamente circunscritos ao consumo de baiacu das águas de regiões dos Oceanos Índico e Pacífico. Há contudo, casos registrados devido a ingestão desse peixe das águas do Oceano Atlântico, Golfo do México e Golfo da Califórnia. Esses peixes baiacu geralmente são importados da China, Japão, México, Filipinas e Taiwan.

Medidas de controle[editar | editar código-fonte]

1) Notificação de surtos - a ocorrência de surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação das fontes comuns e medidas preventivas. Um único caso, por representar um agravo à saúde, deve ser também notificado.

2) Medidas preventivas – orientações sobre o risco de ingestão do peixe baiacu e outras espécies que produzem a tetrodotoxina.

3) Medidas em epidemias – investigação do surto e identificação do produto e origem, com medidas para controle e prevenção de novos casos.

Intoxicações associadas com toxinas de frutos do mar[editar | editar código-fonte]

Tipo de Intoxicação Toxina Fonte Início dos Sintomas Síndrome Clínica
Ciguatera Ciguatoxina Peixes de recifes/corais, barracuda, caranho vermelho e garoupa 1 a 4 horas Dor abdominal, diarréia, vômito, reversão sensorial frio e calor, parestesias, mialgias, e fraqueza
Amnésica por frutos do mar Ácido domóico Mexilhões e outros mariscos bivalves, caranguejos e anchovas 15 minutos a 38 horas Vômito, diarréia, dor de cabeça, mioclonia, hemiparesias, apreensão, coma e perda permanente da memória recente.
Escombróide Histamina Atum, bonita, cavala, peixes salteadores Minutos a 4 horas Severa dor de cabeça, vertigem, náusea, vômito, rubor, urticária, dificuldade respiratória
Neurotóxica por frutos do mar Neurotoxina Mexilhões e outras espécies que se alimentam de plânctons Minutos a 3 horas Diarréia, vômito, ataxia e parestesias
Paralítica por frutos do mar Saxitoxina Mexilhões e outras espécies bivalves < 30 minutos Vômito, diarréia, paralisia facial e respiratória
  1. «Risks for public health related to the presence of tetrodotoxin (TTX) and TTX analogues in marine bivalves and gastropods» (em inglês). 20 de abril de 2017 
  2. Lorentz, Max N.; Stokes, Amber N.; Rößler, Daniela C.; Lötters, Stefan (10 de outubro de 2016). «Tetrodotoxin». Current biology: CB. 26 (19): R870–R872. ISSN 1879-0445. PMID 27728785. doi:10.1016/j.cub.2016.05.067 
  3. NARAHASHI, Toshio (2008). «Tetrodotoxin -A brief history-». Proceedings of the Japan Academy, Series B (5): 147–154. ISSN 0386-2208. doi:10.2183/pjab.84.147. Consultado em 1 de maio de 2023 
  4. a b c Bane, Vaishali; Lehane, Mary; Dikshit, Madhurima; O'Riordan, Alan; Furey, Ambrose (21 de fevereiro de 2014). «Tetrodotoxin: chemistry, toxicity, source, distribution and detection». Toxins. 6 (2): 693–755. ISSN 2072-6651. PMC 3942760Acessível livremente. PMID 24566728. doi:10.3390/toxins6020693 
  5. «A review of selected seafood poisonings - ProQuest» 
  6. «Captain Cook — food poisoning victim» (em inglês) 
  7. Woodward, R. B.; Gougoutas, J. Zanos. (1 de novembro de 1964). «The Structure of Tetrodotoxin». Journal of the American Chemical Society. 86 (22): 5030–5030. ISSN 0002-7863. doi:10.1021/ja01076a076 
  8. Furusaki, Akio; Tomiie, Yujiro; Nitta, Isamu (1 de novembro de 1970). «The Crystal and Molecular Structure of Tetrodotoxin Hydrobromide». Bulletin of the Chemical Society of Japan. 43 (11): 3332–3341. ISSN 0009-2673. doi:10.1246/bcsj.43.3332 
  9. Kishi, Y.; Aratani, M.; Fukuyama, T.; Nakatsubo, F.; Goto, T.; Inoue, S.; Tanino, H.; Sugiura, S.; Kakoi, H. (dezembro de 1972). «Synthetic studies on tetrodotoxin and related compounds. III. Stereospecific synthesis of an equivalent of acetylated tetrodamine». Journal of the American Chemical Society. 94 (26): 9217–9219. ISSN 0002-7863. doi:10.1021/ja00781a038 
  10. L., Brunton, Laurence; A., Chabner, Bruce (2012). As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman (12a. ed.). São Paulo: Grupo A - AMGH. ISBN 9788580551174. OCLC 951583998 
  11. a b Lago, Jorge; Rodríguez, Laura P.; Blanco, Lucía; Vieites, Juan Manuel; Cabado, Ana G. (19 de outubro de 2015). «Tetrodotoxin, an Extremely Potent Marine Neurotoxin: Distribution, Toxicity, Origin and Therapeutical Uses». Marine Drugs. 13 (10): 6384–6406. ISSN 1660-3397. PMC 4626696Acessível livremente. PMID 26492253. doi:10.3390/md13106384 
  12. G1 (23 de outubro de 2014). «Onze pessoas são intoxicadas após ingerirem baiacu em Caxias, RJ». G1. Consultado em 23 de outubro de 2014 
  13. Xu, Qin-Hui; Zhao, Xiu-Nan; Wei, Chang-Hua; Rong, Kang-Tai (julho de 2005). «Immunologic protection of anti-tetrodotoxin vaccines against lethal activities of oral tetrodotoxin challenge in mice». International Immunopharmacology. 5 (7-8): 1213–1224. ISSN 1567-5769. PMID 15914326. doi:10.1016/j.intimp.2005.02.017 
  14. Xu, Qin-Hui; Wei, Chang-Hua; Huang, Kai; Rong, Kang-Tai (31 de janeiro de 2005). «Toxin-neutralizing effect and activity-quality relationship for mice tetrodotoxin-specific polyclonal antibodies». Toxicology. 206 (3): 439–448. ISSN 0300-483X. PMID 15588933. doi:10.1016/j.tox.2004.08.006 
  15. Xu, Qin-Hui; Zhao, Xiu-Nan; Cheng, Jun-Ping; Wei, Chang-Hua; Zhang, Qin-Hua; Rong, Kang-Tai (novembro de 2006). «Influence of carrier proteins on the immunologic response to haptenic antitetrodotoxin vaccine». Bioconjugate Chemistry. 17 (6): 1508–1513. ISSN 1043-1802. PMID 17105230. doi:10.1021/bc060083u