Pandemia de cólera de 1846–1860 – Wikipédia, a enciclopédia livre

Este quadro de Pavel Fedotov mostra uma morte por cólera em meados do século XIX.

A terceira pandemia de cólera (1846-60) foi o terceiro grande surto de cólera com origem na Índia no século XIX e que se alastrou muito para além das suas fronteiras. Investigadores da UCLA acreditam que o surto pode ter começado em 1837 e durado até 1863.[1] Na Rússia, mais de um milhão de pessoas morreram de cólera. Entre 1853 e 1864, a epidemia em Londres ceifou mais de 10.000 vidas e houve mais de 23.000 mortes em toda a Grã-Bretanha. Esta pandemia foi a que provocou mais mortos no século XIX.[2]

Como nas pandemias que a precederam, a cólera espalhou-se desde o delta do rio Ganges na Índia e provocou um número elevado de mortes nas populações da Ásia, da Europa, da África e da América do Norte. Considera-se que 1854 foi o pior ano da pandemia, uma vez que 23.000 pessoas morreram de cólera na Grã-Bretanha.

Nesse ano, o médico inglês John Snow, que estava a trabalhar na zona pobre de Londres, identificou a água contaminada como o meio de transmissão da doença. Após o surto de cólera de Broad Street em 1854, o médico identificou as causas da cólera na zona de Soho, em Londres, e registou um aglomerado de casos perto da bomba de água de um bairro. Para testar a sua teoria, John Snow convenceu as autoridades a retirar a pega da bomba de água e o número de casos de cólera naquela zona diminuiu imediatamente. A sua descoberta acabou por ajudar a controlar o surto. John Snow foi um dos fundadores da Sociedade Epidemiológica de Londres, criada em resposta a um surto de cólera em 1849 e é considerado um dos pais da epidemiologia.[3][4][5]

Segunda pandemia[editar | editar código-fonte]

A segunda pandemia de cólera começou na Índia e espalhou-se para toda a Europa e norte de África, tendo depois atravessado o Atlântico para o Canadá e os Estados Unidos e depois para o México e as Caraíbas. Muitas fontes divergem na data do fim da segunda pandemia e do início da terceira pandemia. Algumas fontes afirmam que a terceira pandemia começou com um surto no Bengala em 1839.[6]

Década de 1840[editar | editar código-fonte]

Mais de 15.000 pessoas morreram de cólera em Meca em 1846.[7] Na Rússia, entre 1847 e 1851, mais de um milhão de pessoas da epidemia.[8]

Um surto de dois anos teve início em Inglaterra e no País de Gales em 1848 e ceifou 52.000 vidas.[9] Em Londres, foi o pior surto na história da cidade, ceifando 14.137 vidas, mais do dobro do que o surto de 1832. A cólera chegou à Irlanda em 1849, e matou muitos dos sobreviventes da Grande Fome da Irlanda, já enfraquecidos pela fome e febre.[10] Em 1849, a cólera ceifou 5.308 vidas na grande cidade portuária de Liverpool, Inglaterra, um ponto de embarque para os imigrantes para a América do Norte, e 1.834 em Hull, na Inglaterra.[11] Em 1849, um segundo grande surto ocorreu em Paris.

A cólera, que se acredita ter-se espalhado a partir dos navios de imigrantes irlandeses de Inglaterra para os Estados Unidos, espalhou-se por todo o rio Mississippi, matando mais de 4.500 pessoas em St. Louis e mais de 3.000 em Nova Orleães. Morreram milhares de pessoas em Nova Iorque, um dos principais destinos dos imigrantes irlandeses. O surto que atingiu Nashville entre 1849 e 1850 tirou a vida do ex-Presidente dos EUA, James K. Polk. Durante a Corrida do Ouro na Califórnia, a cólera foi transmitida ao longo das rotas da Califórnia, Mórmon e Oregon e estima-se que tenham morrido entre 6.000 a 12.000 pessoas[12] a caminho do Utah e Óregon nos anos da cólera, entre 1849 e 1855. A cólera terá matado mais de 150.000 pessoas nos Estados Unidos durante as duas pandemias entre 1832 e 1849,[13][14] e também matou mais de 200.000 pessoas no México.[15]

Década de 1850[editar | editar código-fonte]

A epidemia de cólera na Rússia, que começou em 1847, prolongou-se até 1851, matando mais de um milhão de pessoas. Em 1851, um navio vindo de Cuba levou a doença para Gran Canaria.[16] Estima-se que mais de 6.000 pessoas morreram na ilha durante o verão,[17] , numa população de 58.000.

Em 1852, a cólera espalhou-se para leste para a Indonésia, e mais tarde foi levada para a China e o Japão, em 1854. As Filipinas foram infetadas no ano de 1858 e a Coreia em 1859. Em 1859, um surto em Bengala contribuiu para a transmissão da doença pelos viajantes e militares do Irão, Iraque, Arábia Saudita e Rússia.[18] , o Japão sofreu pelo menos sete grandes surtos de cólera entre 1858 e 1902. Entre 100.000 e 200.000 pessoas morreram de cólera em Tóquio, num surto que decorreu entre 1858 e 1860.[19]

Em 1854, um surto de cólera em Chicago, tirou a vida de 5,5% da população (cerca de 3.500 pessoas).[20][21] Entre 1853 e 1854, a epidemia matou 10.739 pessoas em Londres. Na Espanha, mais de 236.000 pessoas morreram de cólera na epidemia de 1854-55.[22] A doença atingiu a América do Sul, em 1854 e 1855, provocando vítimas na Venezuela e no Brasil.[23] Durante a terceira pandemia, a Tunísia, que não tinha sido afetada pelos duas pandemias anteriores acusou os europeus de levarem a doença. Alguns cientistas dos Estados Unidos começaram a acreditar que a cólera era, de alguma forma, culpa dos afro-americanos, uma vez que doença afetou principalmente as regiões com populações negras no sul do país. Hoje em dia, os investigadores salientam que a população afro-americana vivia com condições de higiene quase inexistentes e não tinha acesso a infraestruturas com condições ou a cuidados de saúde. Além disso, viviam perto dos cursos de água por onde os viajantes e navios levavam a doença.[24]

Surto de Cólera de 1854 em Broad Street[editar | editar código-fonte]

Mapa original de John Snow a identificar o aglomerado de casos de cólera no surto de Londres de 1854

O surto de cólera de 1854 em Broad Street foi um surto grave de cólera que ocorreu em 1854 perto de Broad Street, no bairro de Soho, Londres, durante a terceira pandemia de cólera. Este surto, que matou 616 pessoas, ficou conhecido pelo estudo do médico John Snow das causas e da hipótese de que a água contaminada com germes era a origem da cólera, e não partículas no ar como se pensava até aí.[25][26]

John Snow identificou a fonte do surto na bomba de água em Broad Street. Apesar de os seus estudos não se mostrarem inteiramente conclusivos, ele pediu às autoridades locais para interditarem o uso da bomba ao retirarem a sua pega. Mais tarde, John Snow recorreu a um mapa com pontos para ilustrar o aglomerado de casos de cólera perto da bomba de água. Recorreu ainda a estatísticas para fazer a ligação entre a qualidade da fonte da água e os casos de cólera, mostrando que a água que chegava ao local do surto era proveniente de secções poluídas com esgotos do rio Tamisa. O estudo de John Snow teve um grande impacto na história da saúde pública e da geografia. É considerado um dos primeiros estudos da ciência da epidemiologia.

A descoberta veio a influenciar a saúde pública e a construção de melhores instalações sanitárias a partir de meados do século XIX. Mais tade, o termo "foco infeccioso" seria utilizado para descrever locais com as mesmas características da bomba de água de Broad Street, onde existem condições ideais para a transmissão de infeções. O esforço de John Snow para encontrar a causa da transmissão de cólera levou a que criasse um estudo duplo-cego por puro acaso.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. «Asiatic Cholera Pandemics During the Life of John Snow : Asiatic Cholera Pandemic of 1846-63». John Snow - a historical giant in epidemiology 
  2. «Cholera's seven pandemics» [ligação inativa] 
  3. «London Epidemiology Society» 
  4. «Commentary: John Snow and alum-induced rickets from adulterated London bread: an overlooked contribution to metabolic bone disease». International Journal of Epidemiology. 32. PMID 12777415. doi:10.1093/ije/dyg160 
  5. «On the Adulteration of Bread As a Cause of Rickets». The Lancet. 70. doi:10.1016/S0140-6736(02)21130-7 
  6. Hays, J. N. (2005). Epidemics and Pandemics: Their Impacts on Human History. [S.l.: s.n.] ISBN 9781851096589 
  7. Asiatic Cholera Pandemic of 1846-63. UCLA School of Public Health.
  8. Geoffrey A. Hosking (2001). "Russia and the Russians: a history". Harvard University Press. p. 9.
  9. Cholera's seven pandemics, cbc.ca, 2 December 2008.
  10. «The Irish Famine». Consultado em 4 de outubro de 2018. Arquivado do original em 27 de outubro de 2009 
  11. Rosenberg, Charles E. (1987). The Cholera Years: The United States in 1832, 1849, and 1866. [S.l.: s.n.] ISBN 0-226-72677-0 
  12. Unruh, John David. The plains across: the overland emigrants and the trans-Mississippi West, 1840–60. [S.l.: s.n.] ISBN 0-252-06360-0 
  13. «The 1832 Cholera Epidemic in New York State: 19th Century Responses to Cholerae Vibrio (part 2)». The Early America Review. 3 
  14. Vibrio cholerae in recreational beach waters and tributaries of Southern California.
  15. Byrne, Joseph Patrick. Encyclopedia of Pestilence, Pandemics, and Plagues: A-M. [S.l.: s.n.] ISBN 0-313-34102-8 
  16. HISTORICAL GEOGRAPHICAL APPROACH IN THE BEHAVIOR OF THE EPIDEMIC OF THE CHOLERA MORBUS OF 1851 IN THE PALMS OF GREAT CANARY p.626
  17. Historia de la medicina en Gran Canaria p.545-546
  18. Asiatic Cholera Pandemic of 1846-63. UCLA School of Public Health.
  19. Kaoru Sugihara, Peter Robb, Haruka Yanagisawa, Local Agrarian Societies in Colonial India: Japanese Perspectives, (1996), p. 313.
  20. Rosenberg, Charles E. The cholera years: the United States in 1832, 1849 and 1866. [S.l.: s.n.] ISBN 0-226-72677-0 
  21. Chicago Daily Tribune Arquivado em 31 agosto 2009 no Wayback Machine, 12 July 1854
  22. Kohn, George C. Encyclopedia of Plague and Pestilence: from Ancient Times to the Present. [S.l.: s.n.] ISBN 0-8160-6935-2 
  23. Byrne, Joseph Patrick. Encyclopedia of Pestilence, Pandemics, and Plagues: A-M. [S.l.: s.n.] ISBN 0-313-34102-8 
  24. Hayes, J. N. Epidemics and Pandemics: Their Impacts on Human History. [S.l.: s.n.] 
  25. Eyler, John M. «The changing assessments of John Snow's and William Farr's cholera studies». Sozial- und Präventivmedizin (em inglês). 46 (4). ISSN 0303-8408. doi:10.1007/bf01593177#page-1 
  26. Paneth, N; Vinten-Johansen, P; Brody, H; Rip, M (outubro de 1998). «A rivalry of foulness: official and unofficial investigations of the London cholera epidemic of 1854.». American Journal of Public Health. 88 (10): 1545–1553. ISSN 0090-0036. PMC 1508470Acessível livremente. PMID 9772861