Conquista do Algarve – Wikipédia, a enciclopédia livre

A Conquista Definitiva do Algarve deu-se entre 1238, data da conquista do castelo de Estômbar pela Ordem de Santiago e 1249, quando foram tomadas Faro, Loulé, Aljezur, Porches e Albufeira mediante iniciativa do rei D. Afonso III.

Contexto[editar | editar código-fonte]

Praticamente desde a fundação do Condado Portucalense em 868 que Portugal se envolvia na reconquista de território sob controlo muçulmano.

Em 1189, o rei D. Sancho conquistara Silves no Algarve, porém a grande cidade muçulmana foi reconquistada pelos almóadas em 1191 e quase todas as conquistas portuguesas a sul do Tejo perdidas, com excepção de Évora. Após isto, a nobreza portuguesa havia vindo a abster-se da participação na reconquista de territórios relativamente longínquos aos mouros, deixando-a para as Ordens militares e para os almogávares.

Paio Peres Correia[editar | editar código-fonte]

A cruz da Ordem de Santiago.

Em 1234, o grão-mestre da Ordem de Santiago Pedro González Mengo decidiu levar a cabo a conquista do sul do Alentejo e do Algarve e para isso deslocou consideráveis recursos para a comenda que a Ordem detinha em Alcácer do Sal, cujo comendador era o experiente freire Paio Peres Correia, que em Fevereiro daquele ano deu entrada na referida cidade.[1] Diz a Crónica da Conquista do Algarve que, "depois que ele la foy, loguo os mouros forom todos em hum acordo e todos se trabalhavam por defender sua terra", quando antes eram "em gran desvairo".[1]

O Emirado de Niebla ou Reino do Algarve[editar | editar código-fonte]

O actual Algarve fazia parte de um emirado muçulmano, que se estendia para norte da serra Algarvia e para leste do rio Guadiana, sediado na cidade de Niebla, cujo emir era Musa Ibn Muhammad Ibn Nassir Ibn Mahfuz, ou Aben Mafom nas crónicas cristãs.[1]

Aben Mafom fugira de Sevilha quando Ibn Hud tomou o poder nesta cidade e derrotou a facção de Al-Baji, de quem Aben Mafom era seguidor.[1] Assenhoreando-se de Niebla em 1234 ou 1236, tomou o título de "Emir do Ocidente" e prestou vassalagem ao rei Fernando III de Castela, forma de se proteger tanto contra os portugueses que avançavam a partir do norte como dos muçulmanos que o ameaçavam a partir de Sevilha.[1] A ele se juntaram as cidades do sudoeste peninsular.[1]

Ainda em 1234, Paio Peres Correia obteve a submissão de Aljustrel.[1][2] Em 1238, ao mesmo tempo que o Sancho II tomava a vila portuária de Aiamonte, Paio Peres Correia conquista Mértola, considerada pelos muçulmanos como a melhor fortaleza no ocidente peninsular, que dava acesso à margem esquerda do rio Guadiana.[1] Foi também ocupado o castelo de Alfajar da Pena, que permitia dominar a "Terra Chã" entre Aiamonte as povoações de Saltes, Gibraleão e Huelva, que protegiam Niebla.[1] A partir deste momento, o Algarve via a suas comunicações por terra com o resto da península cortadas mas, os conflitos que entretanto estalaram entre o rei D. Sancho II e a Igreja obrigariam a Ordem de Santiago a empreender a conquista do Algarve totalmente por conta própria, sem poderem contar com o apoio da hoste e da frota do rei português.[1]

A conquista do Algarve 1238-1249[editar | editar código-fonte]

O principal obstáculo à penetração no Algarve eram as serras de Monchique e de Caldeirão.[1] Muitos cavaleiros duvidavam da viabilidade de se conquistar posições para lá da serra devido à falta de homens e ganhos duvidosos.[1] Paio Peres Correia, porém, contava o apoio do cavaleiro Garcia Rodrigues que, fruto da sua anterior ocupação como mercador, conhecia bem o Algarve, os seus caminhos, defesas e vulnerabilidades.[1]

Tomada de Estômbar e Alvor[editar | editar código-fonte]

Serra de Monchique.

Presumivelmente na Primavera de 1238, cavaleiros almogávares, que ganhavam a vida nas razias além-fronteiras, guiados por Garcia Rodrigues encetaram a travessia da serra cuidadosamente, marchando de noite e acampando de dia, de forma a não serem detectados pelos muçulmanos, contornando o castelo de Ourique, primeira fortificação que vigiava a entrada para a serra.[1] Tomaram de supresa o albacar de Estômbar, para o qual se dirigiu Paio Peres Correia com os seus homens assim que foi avisado e reforçou-o com uma guarnição necessária à sua defesa eficaz.[1] Foi depois conquistada a torre de Alvor. Eram estes os "contra-castelos" que serviriam para atacar os arredores da grande cidade de Silves, debilitando os seus residentes até à tomada final.[1] A partir de Estômbar, Paio Peres Correia levou a cabo numerosas cavalgadas contra as aldeias, quintas e pomares do fértil vale do Arade.[1]

A troca de Estômbar e Alvor por Cacela, Outubro 1238[editar | editar código-fonte]

Os castelos de Marrachique, Ourique, Messines e Montagudo, que protegiam a serra, encontravam-se ainda em mãos muçulmanas, dificultado aos cavaleiros espadatários em Estômbar o seu abastecimento a partir de Aljustrel.[1] Aben Mafom, por sua vez, carecia de meios para defender o ocidente Algarvio, por isso propôs trocar o castelo de Estômbar pelo de Cacela Velha.[1]

Fortificação maior e mais fácil de defender que Estômbar, aparentava ser para a Ordem uma boa troca, por isso Paio Peres Correia tomou dela posse ainda em Outubro de 1238.[1] Aben Mafom, porém, sabia que Tavira era menos vulnerável que Silves, para além de que Cacela encontrava-se na parte mais inóspita do Algarve, nenhuma povoação de relevo tinha para oriente, e que o terreno para ocidente era mais aberto e logo favorecia a superioridade numérica muçulmana.[1]

Castelo de Paderne, aspecto actual.

Provavelmente em Junho de 1239, Paio Peres Correia tentou tomar de surpresa a partir de Cacela o Castelo de Paderne, que vigiava a estrada que unia o sotavento a Silves e de onde poderiam ser lançadas algaras em todas as direcções.[1] Foram porém detectados ao aproximarem-se e obrigados a bater em retirada.[1] Os cavaleiros de Faro, Loulé e Tavira uniram-se então sob o comando de Aben Fabola de Tavira, de forma a interceptar os cristãos e forçá-los a um combate em campo aberto mas também os muçulmanos foram detectados pelos batedores cristãos e, ao romper do dia seguinte, os espadatários derrotaram-nos com uma carga de cavalaria, no sítio ainda hoje chamado "Desbarato", perto de Santa Catarina da Fonte do Bispo.[1] Deteve-se porém Paio Peres Correia por suspeitar de uma retirada fingida, estratagema muito empregue pelos mouros.[1] No dia seguinte, a rectaguarda espadatária, onde seguia o mestre Paio Peres Correia, foi atacada em Almargem, forçando-os a refugiarem-se no "Cabeço do Mestre" até ao cair da noite.[1]

A Conquista de Tavira[editar | editar código-fonte]

O castelo de Tavira.

Não tendo derrotado os cavaleiros espadatários decisivamente, os muçulmanos firmaram com Paio Peres Correia uma trégua para os meses de Julho a Setembro de forma a poderem ceifar o trigo e colher figos em paz; o mestre aceitou para poder recrutar mais homens.[1]

Não obstante a trégua, Garcia Rodrigues e seis cavaleiros foram massacrados em Antas, na actual freguesia de Luz de Tavira, pela guarnição de Tavira, que se sentiu provocada quando aqueles atravessaram o território da cidade para caçar aves.[1][3] Avisado do caso, logrou o mestre Paio Peres Correia reunir os seus homens, derrotar a guarnição quando esta ainda se encontrava em Antas e persegui-la até às portas de Tavira, logrando penetrar pela Porta da Traição, antes que qualquer resistência pudesse ser organizada.[1]

A Conquista de Salir, Silves e Paderne[editar | editar código-fonte]

Cidade e alcáçova de Silves.

Conquistada Tavira, seguiu-se Salir, castelo posicionado numa das poucas vias que atravessava longitudinalmente o Algarve e o ligava ao Alentejo.

Procurou então Paio Peres conquistar Silves, onde por então se encontrava Aben Mafom, mediante um logro: enviou um pequeno destacamento a cercar Estômbar, divulgando a falsa informação que ia ele ao comando com o grosso das tropas e, quando soube que Aben Mafom saíra de Silves o grosso da guarnição, atacou Silves, escalando as suas muralhas.[1] A alcáçova da cidade, onde a maioria dos residentes se havia recolhido, resistia ainda aos espadatários quando Aben Mafom regressou com as suas tropas.[1] Os muçulmanos envolveram-se então em sangrentos confrontos com os cristãos na "Couraça", troço da muralha que ligava a cidade ao rio mas, não vendo meios de socorrer a citadela, Aben Mafom retirou-se.[1] Viveria por mais duas dezenas de anos, embora uma tradição local diga que se afogou num rio próximo.[1] A alcáçova de Silves foi penetrada em alguns pontos e rendida mediante acordo favorável oferecido por Paio Peres.[1] A ardilosa conquista de Silves foi a obra-prima táctica de Paio Peres Correia durante a sua campanha no Algarve.[1]

Paderne foi conquistado alguns dias depois por escalada e os seus defensores passados a fio de espada, por terem morto dois cavaleiros de Santiago.[1] É provável que os castelos serranos de Monchique, Montagudo, Marachique, Ourique e Messines se tenham rendido pouco depois.[1]

A Conquista de Faro, Loulé, Aljezur, Porches e Albufeira, 1249[editar | editar código-fonte]

Bandeira de D. Afonso III.

Regressado Paio Peres Correia a Castela, no Algarve restavam ainda as povoações muçulmanas de Aljezur, Faro, Loulé e Albufeira, difíceis de tomar sem recurso a uma frota e cujos senhores se submeteram à autoridade dos Merínidas de Marrocos.[1]

O papa Gregório IX emitiu em 1241 a bula Cum Charissimus de forma a pressionar D. Sancho II a reduzir estes últimos enclaves mas, o rei português, incapaz de controlar os nobres portugueses e a braços com guerra civil contra o seu irmão D. Afonso III não podia levar a cabo novas campanhas militares.[1]

Vitorioso D. Afonso III em 1248, desencadearia este novos ataques de forma a firmar a sua autoridade enquanto rei perante nobres refractários, recompensar seguidores fieis e cumprir uma promessa que fizera ao papa Inocêncio IV em 1245 caso alcançasse o trono.[1]

Nas primeira semanas de Março de 1249, D. Afonso III atravessou a serra algarvia por Almodôvar.[1] Acompanhavam-no os seus principais apoiantes durante a guerra civil, com D. João de Aboim à cabeça, mas também os chefes das Ordens militares, como o mestre da Ordem de Avis, D. Lourenço Afonso, e Paio Peres Correia à cabeça dos espadatários, este acompanhado por Gonçalo Peres Magro, comendador de Mértola.[1]

À importante cidade portuária de Faro foi imposto o primeiro cerco.[1] Enquanto não apareceu a frota portuguesa, o alcaide Alboambre ainda esboçou alguma resistência, confiado em reforços vindos do norte de África mas bloqueado o porto, a cidade entregou as chaves ao rei português, evitando assim o derramamento de sangue e garantindo um estatuto favorável.[1]

O castelo de Aljezur.

Conquistada Faro, Loulé rendeu-se depois ao fim de pouca acção. Aljezur foi tomada por Paio Peres Correia segundo a Crónica da Conquista do Algarve.[1] Porches e Albufeira renderam-se a D. Lourenço Afonso, mestre de Avis.[1]

Consequências[editar | editar código-fonte]

Através de uma eficaz e inteligente gestão dos limitados recursos à sua disposição, Paio Peres Correia não só não chegou nunca a sofrer as dificuldades inerentes à travessia das serras ou à conquista de castelos montanheses como conquistou a maior parte do Algarve e as suas mais importantes cidades com recurso à guerra das "razias" ou "correrias", sem nunca lhes impor cercos materialmente incomportáveis para a Ordem.[1]

D. Afonso III completou a conquista do Algarve e assumiu o título de "Rei de Portugal e do Algarve", criado por D. Sancho aquando da primeira conquista de Silves 60 anos antes.[1]

O rei de Portugal reclamara para si a conquista do Algarve, porém Aben Mafom havia-se declarado vassalo do rei Fernando III de Castela, que por isto considerava pertencer-lhe o território. Isto deu origem a uma crise diplomática entre D. Afonso e D. Fernando, que só veio a ser definitivamente resolvida com a assinatura do Tratado de Badajoz de 1267, em que os direitos de D. Afonso eram reconhecidos e a fronteira fixada no Guadiana.[4]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ae af ag ah ai aj ak al am an ao ap aq ar as at au av António Castro Henriques: Conquista do Algarve - 1189-1249 - O Segundo Reino, Tribuna da História, 2003, pp. 57-83.
  2. H. Morse Stephens: A Short History of Portugal
  3. Joaquim Romero Magalhães: O Algarve na Época Moderna: Esmiunças 2, p. 21.
  4. Porto Editora – D. Afonso III na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-09-15 18:45:44]. Disponível em https://www.infopedia.pt/$d.-afonso-iii